Decisão histórica: lei do clima não protege direitos básicos, diz tribunal na Coreia do Sul
Acórdão é visto como “uma oportunidade para a Coreia do Sul deixar cair a sua reputação de vilã do clima”, consideram especialistas.
O Tribunal Constitucional da Coreia do Sul considerou que a lei sobre as alterações climáticas não protege os direitos humanos básicos e carece de objectivos para proteger as gerações futuras. A decisão histórica foi lida esta quinta-feira, depois de os activistas terem acusado o Governo de não conseguir combater eficazmente as alterações climáticas.
Cerca de 200 queixosos, incluindo jovens activistas do clima e até algumas crianças, apresentaram petições ao Tribunal Constitucional desde 2020, argumentando que o governo estava a violar os direitos humanos dos cidadãos ao não fazer o suficiente em relação às alterações climáticas.
Na decisão, que os activistas afirmam ser inédita no continente asiático, o tribunal pede ao Parlamento sul-coreano que reveja a lei da neutralidade carbónica até ao final de Fevereiro de 2026, para que passe a estar em conformidade com a Constituição do país.
Corte de emissões ainda não está garantido
O tribunal considera que a lei sul-coreana sobre a neutralidade carbónica, promulgada em 2010 e revista posteriormente para estabelecer objectivos de emissões até 2030 e o objectivo de atingir a neutralidade carbónica até 2050, não apresentava “quaisquer níveis quantitativos” para os objectivos de redução entre 2031 e 2049.
“Uma vez que não existe um mecanismo que possa efectivamente garantir reduções graduais e contínuas até 2050, estipula objectivos de redução que transferem um fardo excessivo para o futuro”, afirmou o tribunal numa declaração.
Os juízes consideram que os objectivos de emissões que constam da lei existente não estão em conformidade com a Constituição, violando o dever de proteger os direitos básicos e não protegendo as gerações futuras contra uma crise climática.
Numa declaração, o Ministério do Ambiente afirmou que respeitava a decisão e que iria aplicar medidas de acompanhamento.
Decisão inédita na Ásia
A decisão do tribunal coreano foi recebida com vivas, lágrimas e aplausos pelos requerentes, activistas e advogados, que entoaram slogans como "O acórdão não é o fim, mas o princípio".
“Espero que a decisão de hoje conduza a uma mudança maior, para que as crianças não tenham de apresentar este tipo de recurso constitucional”, disse Han Je-ah, 12 anos, uma das queixosas. “A crise climática está a ter um enorme impacto nas nossas vidas e não há tempo a perder”, disse aos jornalistas após a decisão.
Kim Young-hee, advogado dos queixosos, considerou o acórdão "uma decisão importante para a redução dos gases com efeito de estufa em toda a sociedade".
Grupos de defesa do clima afirmam que se trata da primeira decisão de um tribunal superior sobre a acção climática de um governo na Ásia, o que poderá constituir um precedente numa região em que foram apresentadas acções judiciais semelhantes em Taiwan e no Japão.
Em Abril, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) considerou que o governo suíço violou os direitos dos seus cidadãos por não ter feito o suficiente para combater as alterações climáticas, se bem que a Suíça anunciou que vai refutar as conclusões do tribunal. Também o Tribunal Interamericano dos Direitos Humanos deverá emitir um parecer consultivo ainda este ano, depois de ter realizado audiências em toda a região.
"Vilã do clima" será coisa do passado?
Koh Moon-hyun, professor de direito na Universidade de Soongsil, disse à Reuters que a decisão pode provocar mudanças noutros países. "O tribunal deve ter olhado para as decisões na Europa e alterado a sua posição", afirmou. "Criou uma oportunidade para a Coreia do Sul deixar cair a sua reputação de vilã do clima".
Apesar dos seus planos para alcançar a neutralidade carbónica até 2050, a Coreia do Sul continua a ser o segundo maior poluidor de carvão entre os países do G20, a seguir à Austrália, segundo os dados disponíveis, com uma adopção lenta das energias renováveis.
No ano passado, a Coreia do Sul reviu em baixa os seus objectivos para 2030 em matéria de redução dos gases com efeito de estufa no sector industrial, mas manteve o seu objectivo nacional de reduzir as emissões em 40% em relação aos níveis de 2018.
Os cientistas afirmam que um aumento da temperatura global superior a 1,5 graus Celsius acima da média pré-industrial provocará um impacto catastrófico e irreversível no planeta, desde o derretimento das camadas de gelo até ao colapso das correntes oceânicas.