“Avós pelo Clima”: Governo suíço contesta tribunal Europeu e não muda estratégia climática

“Avós pelo Clima” consideram a posição do Governo “uma bofetada na cara dos cidadãos e de todas as mulheres idosas que sofrem particularmente com as consequências do aquecimento global”.

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Em Abril, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos emitiu uma decisão histórica no caso das “Avós pelo Clima” RONALD WITTEK/EPA
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O governo suíço anunciou nesta quarta-feira a sua resposta à decisão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH), que em Abril condenou o Estado por violar os direitos humanos de um grupo de mulheres suíças idosas, entre as quais as mulheres da associação KlimaSeniorinnen Schweiz, as “Avós pelo Clima”, na medida em que não fez o suficiente para combater as alterações climáticas.

O Conselho Federal da Suíça critica a “interpretação alargada” feita pelos juízes, considerando também que está a cumprir as suas obrigações em matéria de acção contra as alterações climáticas. Resta saber como é que irá comunicar estas conclusões ao Comité de Ministros do Conselho da Europa (organização à qual pertence o tribunal).

Em comunicado, o Conselho Federal começa por garantir o seu compromisso com a pertença ao Conselho da Europa e com o sistema da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH). No entanto, alinhando-se com as decisões do Conselho Nacional (câmara baixa) e do Conselho de Estados (câmara alta), o Governo “critica a interpretação alargada da CEDH feita pelo tribunal europeu na decisão sobre as KlimaSeniorinnen”, considerando ainda que “a jurisprudência não deve conduzir a um alargamento do âmbito de aplicação da CEDH”.

Quanta acção é suficiente?

O executivo, composto por sete membros, “é também da opinião de que a Suíça cumpre os requisitos de política climática do acórdão”, lê-se no comunicado, em particular com a revisão da Lei do CO2 de Março de 2024, através do qual a Suíça definiu medidas para atingir os seus objectivos climáticos para 2030.

O Conselho Federal alega que “o TEDH não teve em conta esta evolução da política climática suíça no seu acórdão”, nem “a Lei Federal sobre um abastecimento seguro de electricidade a partir de energias renováveis”, adoptada em Setembro de 2023.

Por fim, “o Conselho Federal rejeita a extensão do direito de queixa colectiva às questões climáticas”, refere o comunicado, questionando o facto de o TEDH ter aceitado a queixa colocada pela associação KlimaSeniorinnen.

“Avós pelo Clima” contra-atacam

Num comunicado conjunto, as “Avós pelo Clima” e a Greenpeace Switzerland já vieram acusar o posicionamento do Governo suíço de ser “politicamente motivado” e refutam os argumentos levantados, afirmando que “o Conselho Federal continua a ignorar os requisitos de protecção do clima que estão em conformidade com os direitos humanos”.

As organizações afirmam que, para além do “incumprimento”, o Conselho Federal também “não apresenta provas científicas” para justificar a sua posição. “Colmatar as lacunas da Lei do CO2 e a nova Lei da Electricidade não é suficiente para reparar as violações dos direitos humanos”, insistem os activistas.

Para as KlimaSeniorinnen e a Greenpeace, a “omissão mais grave” é que o Conselho Federal “não explica em que medida as emissões ainda previstas da Suíça são efectivamente compatíveis com a garantia de que o aquecimento global não ultrapasse 1,5°C”.

“O TEDH estabeleceu este limite de aquecimento de 1,5°C, que é reconhecido pela Suíça e apoiado pela população, como um parâmetro relevante para os direitos humanos”, reforçam as activistas.

Em conclusão, afirmam, “o Conselho Federal ataca os nossos direitos humanos” ao “recusar-se a rever e a reforçar as suas políticas”. “Trata-se de uma bofetada na cara dos cidadãos e de todas as mulheres idosas que sofrem particularmente com as consequências do aquecimento global, como mostra, mais uma vez, a última monitorização suíça das mortes relacionadas com o calor”, acusa o colectivo. “A abordagem do Conselho Federal não é digna de um Estado de direito.”

E agora?

A Suíça é legalmente obrigada a aplicar o acórdão, nos termos da Convenção Europeia dos Direitos Humanos que ratificou em 1974.

Apesar da resistência, o executivo suíço demonstra vontade de cooperar com o Conselho da Europa, afirmando que vai acompanhar os desenvolvimentos da jurisprudência e apresentar um relatório ao Comité de Ministros sobre as suas medidas de implementação e posição geral, como lhe é exigido. Formalmente, o Estado deve informar até Outubro o Conselho da Europa sobre como vai cumprir a decisão.

Até hoje nenhum Estado-membro do Conselho da Europa se recusou a aplicar uma decisão do TEDH, afirmou em Junho o porta-voz do Conselho da Europa, Andrew Cutting. No entanto, não é invulgar que os países demorem algum tempo a fazê-lo. De acordo com a Rede Europeia de Implementação, quase metade dos principais acórdãos proferidos pelo tribunal na última década ainda estão pendentes de aplicação total, levando em média mais de seis anos.

Em casos excepcionais, o comité do Conselho da Europa que supervisiona a aplicação das decisões pode remeter os casos novamente para o tribunal. Isto aconteceu apenas duas vezes nos 65 anos de história do TEDH. com Reuters