Muito prazer, eu sou a vida: o jornalista que viu a morte duas vezes

Jorge Oliveira, que também é cineasta e escritor, se livrou por muito pouco de um pistoleiro contratado para matá-lo e sobreviveu a um AVC que paralisou todo o lado esquerdo do seu corpo.

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Jorge Oliveira, jornalista, escritor e cineasta, escapou da morte duas vezes. Ele lança livro em Lisboa Carlos Vasconcelos
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Ficar próximo da morte duas vezes e sobreviver para contar as experiências não é um fato corriqueiro. Muito pelo contrário. Ciente disso, o jornalista, cineasta e escritor brasileiro Jorge Oliveira, 75 anos, que escapou de uma tentativa frustrada de assassinato, em 1984, e de um grave AVC (Acidente Vascular Cerebral), em 2022, resolveu dividir suas histórias, seja escrevendo livros e roteiro de filmes, seja promovendo debates sobre temas que ele considera relevante.

Mesmo com todo o lado esquerdo do corpo paralisado pelo AVC, Oliveira produziu uma de suas mais recentes obras, o livro Muito Prazer: Eu Sou a Vida. Ele diz que a publicação não tem a pretensão de ensinar ninguém a viver, “mas, sim, a morrer bem, tranquilo, com saúde e dignidade”. Essa obra, por sinal, serve atualmente como parte do tratamento dos pacientes da Rede Sarah de reabilitação neurológica, em Brasília, uma das mais conceituadas do Brasil.

Em Portugal, país que escolheu para passar parte da vida, o jornalista conta que seu primeiro contato com a morte se deu quando ele descobriu e denunciou políticos corruptos no Brasil. Um dos denunciados contratou um homem para matá-lo. Por muito pouco, ele escapou. O pistoleiro foi preso antes de acionar o gatilho da arma que carregava. Oliveira foi pessoalmente ao presídio falar com seu algoz e, diante dele, pronunciou a frase que deu nome ao primeiro livro: Muito Prazer, Eu Sou a Morte.

Lançamento em Lisboa

O jornalista não esconde a emoção de estar em Lisboa, dois anos depois do AVC, para o lançamento de seu quarto livro, Boca do Inferno. Para ele, a necessidade de superar as limitações provocadas pela doença o levou a desenvolver ainda mais a capacidade criativa e produtiva. Meses depois da paralisia, ele escreveu a obra Amanhã Eu Volto Pra Contar.

"O AVC não sabe com quem brincou. Quando percebi que a doença havia preservado a minha lucidez, senti a disposição de fazer um livro e um filme sobre ela”, diz, animado. E acrescenta: “Se o AVC achava que me deixaria na cama, me levantei. Se achava que me deixaria parado, estou andando. Se achava que me inutilizaria, estou útil!”. Essa disposição se traduziu em cinco livros em apenas um ano e meio.

Oliveira ressalta que a doença estimulou sua criatividade, pois a imobilização inicial em uma cama de hospital forçou com que sua mente trabalhasse mais. Ele disse à época: “Vou colocar meu cérebro para funcionar. Escrever não é fácil, mas, como jornalista e contador de histórias, tirei vantagem do AVC, pois acabei escrevendo sobre ele e vou continuar a escrever. Nem o pistoleiro e nem o AVC conseguiram me matar, e estou vivo para contar essas histórias.

Catarse coletiva

A mulher do escritor, a também jornalista Ana Maria Rocha, conta detalhes sobre a recuperação dele. “Houve um intensíssimo programa de recuperação durante quatro meses. Foram tantos episódios, que houve uma catarse coletiva”, lembra.

O próprio Oliveira assumiu o papel de liderança no processo ao estimular atividades à luz das próprias experiências. “A personalidade dele, sempre bem-humorado e brincalhão, por maiores que fossem as dificuldades internas, mexia com os demais pacientes e desafiava os colegas de terapia a terem motivação para a vida”, ressalta ela.

Durante as atividades de fisioterapia, vários pacientes — jovens e mais velhos — incorporaram o espírito inovador do jornalista. “Mesmo aqueles que tinham aspecto depressivo, muito tristes, olhar perdido, passaram a ver a vida de outra maneira”, relata Ana. A experiência foi tão importante, que o próprio hospital, na despedida do tratamento, organizou uma homenagem, com uma festa, para Oliveira.

Na oportunidade, foi exibido o filme Olhar de Nise, que o jornalista produziu e dirigiu. A película conta a história de uma médica brasileira que mudou a forma de tratamento de pessoas com problemas mentais no Brasil, recorrendo à Terapia pela Arte em vez de métodos agressivos como os choques elétricos ou a lobotomia. Naquela despedida, Oliveira fez um relato ligando a experiência de vida nova, pós-AVC, com as memórias de infância e da adolescência no bairro do Prado, em Maceió, Alagoas.

Para o jornalista, contar a história da sua sobrevivência é um exemplo para ele mesmo. “Tirei partido do meu cérebro. Disse a mim mesmo que colocaria a minha mente para funcionar. Tirei vantagem do AVC, porque escrevi sobre ele e vou continuar a me aproveitar dele para viver e para ajudar as pessoas que tiveram ou têm os mesmos problemas”, afirma.

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