Bombardeamento de amor: como lidar com esta armadilha?

A psicóloga Marta Rodrigues explica o que é o love bombing e como lidar com ele.

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Tudo parece mesmo muito (estranhamente?) bem. Presentes, promessas, palavras apaixonadas, a relação com que sempre sonhámos. Mas, espera... só nos conhecemos há algumas semanas. Talvez seja tudo... demasiado intenso?

O love bombing é perigoso porque todos gostamos de nos sentir amados. Mas, se alguém te bombardeia com amor, tem gestos exagerados e desproporcionais, cuidado: pode ser que mais tarde, quando disseres que não ou impuseres limites, te trate com frieza e indiferença. É o 8 e o 80. A psicóloga Marta Rodrigues ajuda-nos a entender o que é o love bombing e a identificar comportamentos preocupantes.

O que é o love bombing?

Love bombing significa, em português, bombardear de amor. É “uma dinâmica que acontece quando uma pessoa inunda a outra com demonstrações exageradas de amor, de atenção ou de afecto”, começa por explicar a psicóloga.

“O objectivo [de um love bomber] não é criar naturalmente uma ligação autêntica e vulnerável, mas sim – e isto acontece consciente e inconscientemente - gerar uma dependência emocional na outra pessoa”, afiança Marta Rodrigues.

A ideia é “ganhar controlo” sobre a vítima e a relação. E, ainda que a “onda de amor e afecto” possa parecer apetecível, o bombardeamento vem acompanhado de “retiradas súbitas desse amor e afecto” e de uma “mudança radical de atitude que serve para manipular os sentimentos e comportamentos da outra pessoa”.

A psicóloga faz uma analogia: “Uma relação saudável é um caminho que se faz a dois. Vamos juntos, de mão dada. Há altos e baixos, às vezes é preciso um puxar mais pelo outro, é preciso encontrar um equilíbrio e compromisso para se manterem juntos nesse caminho”, começa por descrever.

“O love bombing, por outro lado, é uma espécie de campo de minas a céu aberto e eu estou aqui, a outra pessoa está ali, mas ela é que tem o mapa. No início parece incrível, até que percebo que não é seguro e que o outro me foge e deixa pisar minas. Então, vou ficando dependente da outra pessoa, de estar de mão dada com ela, para sentir que consigo navegar melhor pelo campo de minas.”

A que comportamentos devo prestar atenção?

O love bombing aparece sob a forma de “muitos presentes, muitas promessas exageradas, muita intensidade logo no início de um relacionamento”.

Importa prestar atenção aos “gestos exorbitantes de amor que não fazem muito sentido porque parecem desproporcionais à ligação que até então tinha sido construída”, ou às “promessas e discursos” que, “apesar de serem muito agradáveis, parecem não estar muito adequados ao quanto nos conhecemos”. Se conheces alguém há poucas semanas e essa pessoa já fala em casar contigo, talvez seja melhor desconfiares.

O avanço da relação “a um ritmo desenfreado, que nos faz sentir alienados da realidade”, também é uma bandeira vermelha. Pode haver uma “cobrança excessiva e uma exigência de que seja tudo milimetricamente recíproco” ou a utilização do ciúme e desconfiança, “não só como forma de demonstrar que se ama, mas também para gerar culpa na outra pessoa, com o intuito de manipular e obter o que se quer”.

Outro sinal importante é que “o afecto e a estabilidade da relação são condicionais e dependem da satisfação das expectativas, necessidades ou desejos de quem pratica o love bombing”. Quando isso não acontece, “há um comportamento completamente distante e frio”.

Eis um exemplo de um ciclo: “Estou a sentir-me a pessoa mais amada, o meu namorado trata-me superbem, estou na relação que sempre quis. De repente, ele faz-me uma sugestão ou pedido e eu recuso, algo normal nas relações. Ele afasta-se completamente, trata-me com frieza, muda completamente a postura. E eu, preocupada, instável, muitas vezes consumida pela culpa, acabo por ceder, porque quero voltar a sentir-me aquela pessoa especial que ele me faz sentir quando está bem.”

Quem pratica love bombing?

Há alguns perfis mais propensos a este comportamento. Tendo por base uma “estratégia de manipulação”, o love bombing pode ser mais comum em pessoas mais manipuladoras, também ligado ao narcisismo.

Mas a psicóloga salvaguarda que, ainda que possa acontecer, nem sempre este comportamento é consciente. “Não estamos a falar de um vilão com um plano estruturado. Na maior parte dos casos, pode vir de falta de empatia, de pessoas mais autocentradas, egocêntricas, egoístas, mas também de muita insegurança. Há pessoas que estão tão inseguras na relação que precisam de controlar, de fazer o outro depender de si”, desvenda.

Que consequências pode ter na vítima?

O relacionamento com um love bomber pode provocar “diminuição da auto-estima, dependência emocional, isolamento social”, mas também uma sensação de “confusão”: é comum perguntarem-se “estarei a ficar maluco?”.

Pode também levar à depressão, no caso de se desenvolver um relacionamento tóxico, perda de identidade, dificuldade em confiar nos outros, culpa e vergonha.

Como lidar?

Ter consciência é o primeiro passo. Depois, é importante “trabalhar a nossa relação connosco”, numa óptica de prevenção: “Quanto melhor estivermos connosco, [mais facilmente] vamos conseguir impor limites, não perder a nossa identidade e sermos assertivos.” Porque uma das formas de lidar é, precisamente, impondo limites.

É importante também “manter a atenção e falar com amigos”, eles poderão ajudar a perceber se alguns comportamentos são normais ou estranhos.

Pode ser necessário procurar ajuda profissional para “processar a experiência, recuperar a auto-estima, que pode ter ficado abalada, bem como recuperar independência emocional”. Reconstruir a rede social, quando uma das consequências é o isolamento, é também crucial para a recuperação.

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