Fome e violência governam o Sudão há 500 dias, na pior crise humanitária da sua história

Desde o início da guerra civil no Sudão, em Abril de 2023, foram mortas ou feridas perto de 52 mil pessoas. Fome no país atinge níveis “catastróficos” e ajuda humanitária não chega à população.

MSF staff treat a malnourished child at the therapeutic feeding centre at the MSF-Spain clinic in Metche, in eastern Chad, August 8, 2024.  Metche camp hosts about 40,000 Sudanese refugees who have fled violence in Darfur. Finbarr O’Reilly/VII Photo.
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Criança subnutrida em hospital da MSF no Chade, a poucos quilómetros da fronteira com o Sudão, a 8 de Agosto Finbarr O'Reilly/MSF
Women and children at the MSF-Spain clinic in Metche, in eastern Chad, August 7, 2024.  Metche camp hosts about 40,000 Sudanese refugees who have fled violence in Darfur. Finbarr O’Reilly/VII Photo.
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Mulheres e crianças junto a hospital da MSF em Metche, no Leste do Chade Finbarr O'Reilly/MSF
Sena Mahoobg, 16, (L) comforts her mother, Amna Abdurahman, 35, who was suffering from fever and gastroenteritis, in the emergency admissions of the MSF-Spain clinic in Metche, in eastern Chad, August 8, 2024.  Metche camp hosts about 40,000 Sudanese refugees who have fled violence in Darfur. Finbarr O’Reilly/VII Photo.
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Campo de Metche, no Leste do Chade, acolhe cerca de 40 mil refugiados sudaneses que fugiram da violência no Darfur Finbarr O'Reilly/MSF
A general view of the MSF-Spain clinic (left) and the refugee camp in Metche, in eastern Chad, August 7, 2024.  Metche camp hosts about 40,000 Sudanese refugees who have fled violence in Darfur. Finbarr O’Reilly/VII Photo.
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Hospital da MSF e campo de refugiados em Metche, Chade, a poucos quilómetros da região sudanesa do Darfur Finbarr O'Reilly/MSF
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Há 500 dias que o Sudão vive a maior crise humanitária da sua história, da “catastrófica desnutrição infantil” à violência sexual e à rápida propagação de doenças infecciosas. Num novo relatório, a organização não-governamental Médicos sem Fronteiras alerta para o reforço urgente da resposta humanitária no Sudão, independentemente da negociação de um cessar-fogo, e apela às partes beligerantes para que permitam às organizações humanitárias chegar às comunidades que mais precisam de ajuda.

Desde 15 de Abril do ano passado — data em que as Forças de Apoio Rápido (RSF), até então uma milícia ligada ao Governo transitório do Sudão, iniciaram uma batalha pelo poder na capital, Cartum, em confronto com o Exército sudanês — foram mortas ou feridas perto de 52 mil pessoas.

Um ano depois, a violência da guerra civil do Sudão tinha-se alastrado a todo o país, gerando a maior crise de deslocados do mundo: mais de dez milhões de pessoas (um quinto da população do Sudão) foram forçadas a fugir das suas casas ou abrigos, muitas delas mais do que uma vez. Perto de oito milhões são agora deslocados internos e 2,2 milhões são refugiados em países vizinhos, vítimas de uma "tragédia que parece ter caído no nevoeiro da amnésia global", dizia, em Março passado, o alto-comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Volker Turk.

Enquanto se espera por uma solução política que continua a parecer distante, agrava-se a fome, num país onde a desnutrição infantil é já "catastrófica", como classifica a Médicos sem Fronteiras (MSF), ao mesmo tempo que o custo dos alimentos sobe e a chegada de ajuda humanitária diminui.

Entre Abril de 2023 e Junho de 2024, a MSF prestou assistência a 12.000 feridos de guerra e a mais de 34.700 crianças gravemente desnutridas. No total, o Programa Alimentar Mundial estima que 3,6 milhões de crianças sudanesas estejam a “sofrer níveis de subnutrição sem precedentes” no país.

“Hoje há crianças a morrer subnutridas em todo o Sudão. A ajuda de que precisam com maior urgência quase não chega e, quando chega, é muitas vezes bloqueada”, denuncia Tuna Turkmen, coordenadora de emergência da Médicos sem Fronteiras no Darfur, citada pela organização humanitária. “Em Julho, por exemplo, camiões com material da MSF foram impedidos de chegar ao seu destino. Dois foram apreendidos pelas RSF e outro por um grupo não identificado de homens armados.”

A situação complica-se também no Leste e no Centro do país. Além dos constrangimentos originados pelo conflito, como a desordem, a insegurança ou os obstáculos burocráticos à entrega de ajuda, factores naturais também estão a dificultar a intervenção de trabalhadores humanitários. Num momento em que a época das chuvas atinge o seu auge, as cheias já destruíram dezenas de milhares de casas e tornaram intransitáveis vários pontos de passagem, estradas e pontes essenciais.

Surto de cólera já provocou 28 mortes

“Já estamos a assistir a um aumento dos casos de malária e de doenças transmitidas pela água (contaminada), com surtos de cólera declarados em pelo menos três estados”, lê-se no relatório sobre o Sudão divulgado esta terça-feira pela MSF, que alerta também para a suspensão das campanhas de vacinação infantil e a consequente ameaça de doenças como o sarampo.

Em apenas um mês, a Organização Mundial da Saúde (OMS) confirmou ter sido notificada de 658 casos de cólera e 28 vítimas mortais da doença no Sudão. Este é o segundo surto de cólera declarado pelo país desde o início da guerra civil. O primeiro teve início em Setembro de 2023 e terminou em Maio passado.

Além da cólera ou da malária, a propagação da febre tifóide também motiva maior preocupação, sobretudo em áreas sobrelotadas, que acolhem refugiados de outros países e deslocados internos sudaneses.

De acordo com dados da Organização das Nações Unidas (ONU), perto de 80% dos serviços de saúde no território estão agora inoperacionais devido ao conflito. “Está a tornar-se cada vez mais difícil prestar os cuidados médicos de que os nossos pacientes precisam”, afirma Claire San Filippo, uma das coordenadoras da missão da MSF no Sudão.

De Abril de 2023 até 19 de Agosto deste ano, foram registados, segundo a ONU, 88 ataques a instalações médicas no Sudão, que provocaram pelo menos 55 mortos e 104 feridos.

“A MSF tenta cobrir algumas necessidades. Em muitos lugares onde trabalhamos, somos a única organização internacional a operar, mas não conseguimos enfrentar esta enorme crise sozinhos”, lamenta Esperanza Santos, enfermeira e coordenadora de emergência da MSF em Porto Sudão. “É preciso começar já a dar uma resposta significativa para que a ajuda chegue a quem mais precisa. Não podemos perder mais tempo.”

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