Maioria das políticas climáticas não consegue reduzir emissões. Mas há receitas que funcionam

Estudo sobre duas décadas de políticas climáticas identificou as (poucas) que realmente funcionam para reduzir emissões. Análise conclui que “mixes” podem ser mais eficazes do que políticas avulsas.

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No sector dos transportes, as estratégias mais bem-sucedidas foram as que combinam vários tipos de medidas Paulo Pimenta
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Uma análise sobre duas décadas de políticas climáticas identifica as (poucas) estratégias que realmente funcionaram para reduzir emissões e desmonta alguns mitos sobre a eficácia das combinações de medidas: ao invés de se repetirem ou sobreporem umas às outras, o estudo conclui que em muitos contextos as combinações podem ser mais eficazes do que políticas avulsas.

Investigadores liderados por uma equipa do Potsdam Climate Impact Research Institute (PIK) e do Mercator Research Institute on Global Commons and Climate Change (MCC) criaram um método com recurso a machine learning para analisar uma base de dados da OCDE com intervenções aplicadas em matéria climática. Entre 1998 e 2022, de acordo com dados recolhidos pela OCDE, foram aplicados em 41 países cerca de 1500 instrumentos de política climáticas destinadas a reduzir as emissões de gases com efeito de estufa, desde impostos sobre o carbono até subsídios para a compra de produtos mais respeitadores do clima.

A primeira conclusão da análise: apenas 63 (cerca de 4%) destas políticas foram efectivamente acompanhadas de uma redução substancial das emissões de gases com efeito de estufa nos anos seguintes, com uma redução média de 19% das emissões. Ou seja, existe um fosso entre a ambição climática actual – as medidas propostas pelos Estados para combater as alterações climáticas – e os resultados efectivos dessas medidas, com muitas estratégias a terem dificuldade em reduzir as emissões em grande escala, uma nota a ter em conta pelos governos que se apresentam como “bons alunos” em matéria de políticas climáticas.

O caso português

Entre as 63 estratégias bem-sucedidas, há uma portuguesa: o caso da redução de emissões na electricidade, que resulta de um conjunto de oito políticas aplicadas entre 2016 e 2021.

De acordo com o estudo, publicado na revista Science, as reduções mais robustas começaram a sentir-se em 2018, numa altura em que o país já acumulava incentivos às renováveis, impostos sobre o carbono e sobre os combustíveis e ainda o compromisso com o fim da produção de electricidade a partir da queima de carvão.

Questionado sobre que medidas poderão ter tido uma maior influência nesta redução das emissões, o investigador Nicolas Koch, do Potsdam Climate Impact Research Institute (PIK), começa por ressaltar que os investigadores não dispõem de informação institucional para comentar casos específicos.

“No entanto, tendo em conta que detectámos a combinação de preços e proibições em vários casos de sucesso de países, posso colocar a hipótese de que a combinação do imposto sobre o carbono com a eliminação progressiva do carvão desempenha provavelmente um papel importante”, conclui.

Acertar na receita

Quais são, então, as políticas que de facto funcionam para cortar emissões? Tudo depende das áreas e do mix.

Para analisar as intervenções nos sectores da construção, electricidade, indústria e transportes, os investigadores criaram um instrumento baseado em aprendizagem automática para aplicar o método da diferença das diferenças (DID), uma técnica estatística que procura estimar o efeito causal de uma intervenção como uma política climática comparando as alterações nos resultados ao longo do tempo entre um grupo exposto à intervenção e um grupo que não está exposto.

“Os nossos métodos não nos permitem determinar a contribuição de cada instrumento numa combinação”, explica Nicolas Koch ao Azul. Mas permite determinar muitas coisas úteis por exemplo, que a combinação de vários instrumentos políticos é muitas vezes mais eficaz do que a utilização de medidas isoladas, o que contradiz, pelo menos em parte, a doutrina económica que considera que as combinações de políticas podem ser redundantes.

Diferenças entre sectores

O estudo demonstra que o papel das combinações de políticas pode variar consoante o sector económico, identificando quais são as áreas em que as combinações podem ser, de facto, mais eficazes do que medidas avulsas.

“No sector dos transportes, dominado pelos consumidores, verificamos que 94% dos casos de sucesso identificados estão associados a uma combinação de políticas”, descreve Nicolas Koch. Isto também acontece no sector da construção e edifícios, onde podem funcionar bem “incentivos alargados com um foco particular nas decisões de adopção (como a renovação de sistemas de aquecimento ou de carros)”, lê-se no estudo.

Mas há também sectores onde medidas cirúrgicas podem ser eficazes. “No sector industrial, dominado pelas empresas, 54% dos casos de sucesso identificados estão associados a uma combinação de políticas”, descreve Nicolas Koch. “Isto indica que as intervenções isoladas podem desempenhar um papel mais importante no sector industrial, com destaque para os instrumentos de preços.”

Quem está a acertar?

Outro padrão identificado foi o papel importante dos instrumentos com base no preço nas combinações bem desenhadas de políticas. Medidas como a proibição de centrais eléctricas a carvão ou de automóveis com motor de combustão, por exemplo, não resultam em grandes reduções de emissões quando aplicadas isoladamente, explicam os cientistas. Os casos bem-sucedidos, notam, só surgem em conjunto com incentivos fiscais ou de preços.

O Reino Unido, por exemplo, conseguiu reduções significativas das emissões no sector da electricidade em meados da década passada através da fixação de um preço mínimo do carbono, aliado a subsídios às energias renováveis e o anúncio de um plano de eliminação progressiva do carvão. Já a China traz um bom exemplo de redução de emissões no sector industrial: os sistemas-piloto de comércio de emissões da China foram complementados por uma redução dos subsídios aos combustíveis fósseis e por maiores incentivos financeiros à eficiência energética.

Estes exemplos podem ser consultados na plataforma Climate Policy Explorer.

E terá sido possível identificar medidas que são sempre ineficazes? “O nosso estudo focou-se no que funcionava e nas combinações de medidas, por isso não conseguimos identificar medidas ineficazes especificamente”, responde o investigador. “Há medidas que não são eficazes para gerar grandes reduções de emissões quando são adoptadas de forma isolada, mas acabam muitas vezes por se revelar eficazes numa combinação de políticas com incentivos fiscais e de preços”, descreve.

Países em desenvolvimento

Uma das mais-valias desta análise abrangente foi o olhar panorâmico, que incluiu políticas postas em prática não apenas nos países industrializados mas também nos países em desenvolvimento, frequentemente negligenciados neste tipo de estudos e que raramente vêem as suas estratégias analisadas. (Ainda assim, a título de exemplo, a África do Sul foi o único país do continente africano na amostra utilizada.)

Os exemplos bem-sucedidos não abundam nesses países (em bom rigor, também não nos países mais desenvolvidos), mas os resultados permitem compreender o que é que pode funcionar no futuro. “Os casos de sucesso mostram como as combinações de políticas bem concebidas dependem dos sectores e do nível de desenvolvimento dos países”, nota a autora principal do estudo, Annika Stechemesser, num comunicado de imprensa.

Os cientistas observaram, por exemplo, que a fixação de preços foi menos eficaz nestes países, o que indica que poderão ser necessárias medidas iniciais a nível da regulamentação e de subsídios.

Em cima de tudo, falta ambição

No final das contas, contudo, há um problema transversal a todos os países: mesmo que se consiga colmatar este fosso entre a ambição climática e o resultado das políticas concretas, existe ao nível global um fosso na própria ambição climática ou seja, uma insuficiência, logo à partida, dos compromissos assumidos na redução de emissões.

“Os nossos resultados trazem uma perspectiva clara, mas preocupante, sobre o esforço político necessário para fechar a lacuna de emissões remanescente de 23 mil milhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2) até 2023”, escrevem os autores, referindo-se à diferença entre os compromissos actualmente assumidos nas Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) e o que seria necessário para cumprir as metas do Acordo de Paris.

“Este conhecimento é vital para apoiar os decisores políticos e a sociedade na transição para a neutralidade climática”, conclui Annika Stechemesser, num piscar de olhos aos governantes que estão neste momento a preparar as suas propostas de NDC, que deverão ser apresentadas até ao início do próximo ano.