Madeira: ambientalistas querem plano urgente de estabilização do solo queimado

Chuvas podem provocar fenómenos de inundação devido a solo queimado ter ficado a descoberto, avisam Zero e GEOTA. Governo regional diz ter até ao fim da semana uma avaliação do impacto do incêndio.

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O incêndio afectou principalmente os municípios da Ribeira Brava, Câmara de Lobos, Ponta do Sol e Santana HOMEM DE GOUVEIA/LUSA
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Antes que as chuvas voltem a cair com força na ilha da Madeira, ambientalistas de duas organizações nacionais defenderam esta terça-feira a necessidade de um plano urgente para estabilizar o solo queimado pelo incêndio florestal, que fustigou aquela ilha ao longo de 13 dias e consumiu 5104 hectares.

“Onde existia floresta, neste momento, não há. Portanto, o que segurava o solo era a vegetação. Toda a gente sabe que na ilha da Madeira estamos a falar de declives muito acentuados”, descreveu Miguel Jerónimo, coordenador de alguns projectos de reflorestação do Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente (GEOTA), em declarações à agência Lusa. “Quando chegarem as primeiras chuvas, o que vai acontecer são fenómenos semelhantes àqueles que assistimos em 2022 na Serra da Estrela. Logo após aquele incêndio houve chuvas torrenciais, inundações, contaminação das linhas de água com cinzas e o arrastar de material ardido”, descreve

Para o ambientalista, que lamenta o “gigantesco passivo ambiental” que se perdeu na sequência do incêndio que deflagrou a 14 de Agosto, o caminho passa agora pela adopção de medidas imediatas e de médio longo prazo, sendo as mais urgentes a criação de uma comissão técnica independente para avaliar as causas e as falhas operacionais e o desenvolvimento de um plano para a estabilização dos solos, a ocorrer antes das primeiras chuvas.

Também Paulo Lucas, da direcção da Zero – Associação Sistema Terrestre Sustentável, defendeu nesta terça-feira a elaboração de um relatório de avaliação e o avanço de trabalhos antes das chuvas, que fazem “o arrastamento das cinzas e também do próprio solo, o que é indesejável”, disse à Lusa. “Se deixamos que o solo seja arrastado, não proporcionamos as condições ideais para a vegetação recuperar”, bem como as árvores, explicou o especialista, que coordena as áreas de sistemas de conservação, biodiversidade e floresta.

O documento de avaliação “é precioso porque tem as medidas específicas para cada local e identificam-se os locais mais susceptíveis à erosão, ou seja, não é gastar dinheiro à toa em todo o lado, pois nem todos os locais vão necessitar de grandes investimentos”, disse. “A região autónoma tem condições e pessoas muito capacitadas para programar estas intervenções e para elaborar um relatório” de avaliação num prazo de 15 dias, afirmou.

Depois, será preciso actuar “o mais rapidamente possível antes” da época chuvosa, pois com “as chuvas há imensa erosão associada”, especialmente em “zonas muito declivosas”. Além disso, será preciso verificar como actuar em zonas da rede Natura 2000 e nas zonas especiais de conservação (ZEC), que tinham florestas autóctones, “habitats” protegidos no âmbito da União Europeia. “Aí vai ter que se prescrever diferentes medidas de estabilização, ou não, depende da avaliação que deve ser feita e das características desses ‘habitats’ em concreto, para que efectivamente voltem a recuperar”, advogou Paulo Lucas, notando que se trata de árvores que levam “muitas dezenas de anos” a crescer.

Regenerar a floresta

Outras medidas defendidas por Miguel Jerónimo para o médio e o longo prazo são a potenciação e a regeneração natural da floresta Laurissilva e a reconversão da floresta não nativa da ilha, composta essencialmente por pinheiros, eucaliptos e acácias. “Nós precisamos de uma paisagem que esteja mais adaptada àquilo que podem ser estes perigos de incêndio e, portanto, que possa mitigar e servir como aliado na redução do risco de incêndio”, apontou o ambientalista do GEOTA, que coordena projectos de reflorestação na Serra da Estrela, no pinhal de Leira e na serra algarvia de Monchique. A ilha da Madeira “dispõe de todas as condições naturais para que o processo de reflorestação seja um sucesso”, defendeu.

Como nota final, Miguel Jerónimo desafiou o Governo Regional a integrar o Plano Nacional de Gestão Integrada de Fogos Rurais, considerando que tal iria contribuir para melhorar a capacidade operacional e a prevenção de fogos desta dimensão. “Era muito importante que o Governo Regional e os partidos da oposição olhassem de uma forma positiva a integração neste tipo de processos e não uma ingerência naquilo que é a autonomia da região. Acho que isso era um contributo positivo”, atestou.

Ainda esta terça-feira, o Governo da Madeira anunciou que pretende ter até ao final da semana um “apuramento rigoroso” dos prejuízos do incêndio, referiu Rafaela Fernandes, secretária da Agricultura, Pescas e Ambiente. “Até ao fim da semana é o tempo para conseguirmos fazer todos os apuramentos”, disse à Lusa. A governante adiantou que, em matéria de ambiente e da área ardida vão ser apresentados, em conferência de imprensa, “dados concretos [...], com as evidências”, num relatório que será tornado público.

Além disso, o Instituto de Florestas e Conservação da Natureza da Madeira irá realizar outro encontro com os jornalistas para clarificar a situação do manto florestal da ilha, “com os espaços e o que está a ser preconizado nos planos de ordenamento do que vai ser a fase seguinte de recuperação dos incêndios”, acrescentou.