Tão generosos que eles são
A quem interessa e por que razão a promoção de um processo potencialmente atrofiador da inteligência humana, como um “subsídio de IA”? E quais as consequências sociais?
Sam Altman, CEO da Open IA (empresa detentora do Chat GPT), preocupado com o impacto que a inteligência artificial (IA) irá ter no mercado de trabalho, resolve o assunto através da atribuição de um “subsídio” generalizado. Uma espécie de “Rendimento Mínimo Garantido” para todos os cidadãos.
Para provar a sua teoria, a Open Research, que ele lidera, financiou um estudo em larga escala nos Estados Unidos junto de 3000 pessoas, com idades entre os 21 e os 40 anos de idade que auferiam menos de 30.000 dólares por ano. Divididos em dois grupos, por mês a um eram dados 1000 dólares e ao outro apenas 50.
Embora os resultados, apresentados em Julho, não apontem para uma vantagem clara da proposta, creio que o assunto merece uma reflexão mais profunda, pois a ideia – aparentemente generosa – poderá mascarar intenções no mínimo inquietantes.
Em 20 de Março de 2023 foi publicado um estudo sobre o impacto do Chat GPT4 (seis dias após o lançamento deste) no mercado de trabalho norte-americano que aponta para o facto de cerca de 80% da população activa poder ver, pelo menos, 10% das suas tarefas profissionais afectadas e 19% dos trabalhadores sofrerem no mínimo em 50% da sua actividade.
Um estudo da Microsoft, no mesmo mês, concluiu que os profissionais mais afectados serão, ao contrário do que aconteceu em períodos históricos anteriores, os designados “colarinhos brancos” ou, dito de outro modo, as profissões intelectuais.
Temos, assim, um cenário a curto prazo no qual os profissionais cujas tarefas exigem respostas complexas e intelectualmente exigentes enfrentarão dificuldades acrescidas no mercado de trabalho e serão forçados a aceitar trabalhos – caso existam – com reduzidos níveis de complexidade intelectual.
Já em Maio de 2017, num artigo publicado no jornal The Guardian intitulado “O sentido da vida num mundo sem trabalho”, Yuval Harari defendia que uma nova classe de pessoas iria surgir em 2050, a classe inútil que não só estaria desempregada como não seria “empregável”, adiantando a urgente necessidade de se pensar o que dar a fazer a essas pessoas sob pena de correrem o risco de enlouquecer. E este pensador antecipou a criação do tal “subsídio de IA” generalizado como uma das soluções que poderiam vir a surgir.
Se juntarmos essa redução forçada da actividade intelectual à proposta generosa dos senhores da tecnologia de ser dado a toda a gente um “subsídio de IA” para ajudar a suprir as necessidades de sobrevivência, poderemos estar perante um cenário de adormecimento intelectual.
Com efeito, as neurociências há muito que explicaram a importância das sinapses (ligações entre neurónios) para o bom funcionamento do cérebro e também nos ensinaram que quanto mais este for estimulado mais se desenvolve. O inverso também se aplica, as sinapses preguiçosas tendem a ser expulsas.
Uma questão se impõe desde já: a quem interessa e por que razão a promoção de um processo potencialmente atrofiador da inteligência humana? E quais as consequências sociais? Bem, uma resposta pode ser que a destruição em massa dos postos de trabalho e não substituída por novos empregos – contrariando a destruição criativa de Schumpeter – originará uma tal onda de contestação social generalizada que assusta e que obriga a cuidados redobrados.
Acresce o facto de uma população, provavelmente a nível mundial, entorpecida, desligada, vazia de pensamento, conformada com ir vivendo do subsídio, numa primeira fase iludida com as vantagens do ócio, ser mais facilmente manipulada e controlada.
Faz-nos lembrar alguma coisa?
Não só é necessário criar novos empregos nos quais os humanos sejam competitivos com a IA como encontrar formas de manter os desempregados ocupados em actividades com significado. E sem nunca descurar o impacto cognitivo. O Chat GPT e os seus sucessores são incrivelmente mais potentes do que o cérebro humano, mas não nos podemos deixar atrofiar, por mais fácil que a oferta assistencialista possa parecer.
As dores da mudança de paradigma são imensas. Resta-nos a confiança na alma e no engenho humano cuja centelha mágica ilumina as nossas escolhas e nos saberá tornar únicos e indispensáveis. E sempre inteligentes.