Cientistas estudam golfinhos da Amazónia para compreender efeitos da crise climática na espécie
Investigadores avaliam o estado de saúde do boto-cor-de-rosa, um golfinho da Amazónia, na esperança de evitar episódio de morte em massa da espécie, como houve em 2023 devido à seca.
Uma equipa de biólogos, veterinários e pescadores capturou botos-cor-de-rosa (golfinhos de água doce) na Amazónia nos últimos dias, para estudar a sua saúde, na esperança de evitar a repetição da morte de centenas de mamíferos no ano passado devido a uma seca severa.
Estes golfinhos raros foram levados para terra para fazer análises ao sangue, entre outros exames, e regressaram ao lago Tefé, na bacia amazónica, assim que os investigadores terminaram o seu trabalho, que incluiu a inserção de um microchip para monitorizar o comportamento dos cetáceos via satélite.
Durante a captura dos golfinhos, os pescadores tiveram o cuidado de não ferir uma fêmea adulta e a mantiveram-na perto dos filhotes para não agitar os animais.
“Ela relaxou e pudemos fazer todos os testes. Parecia estar bem de saúde”, disse a líder do projecto, Miriam Marmontel, do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, que planeou a expedição para capturar temporariamente até 20 golfinhos.
O trabalho incluiu a retirada de uma amostra de tecido adiposo para biópsia, para verificar se havia contaminantes na gordura, e a colocação do microchip nas costas do animal. Este dispositivo permitirá aos cientistas acompanhar os movimentos e as profundidades em que a população de golfinhos nada, e até mesmo determinar a temperatura da água à distância.
A seca trágica de 2023
No ano passado, na sequência da mais longa seca registada na floresta amazónica, provocada em parte pelas alterações climáticas, foram encontradas carcaças de mais de 200 botos a boiar no lago Tefé, formado por um afluente do rio Amazonas.
Os baixos níveis do rio durante a seca aqueceram a água a temperaturas intoleráveis para os botos-cor-de-rosa, segundo os cientistas. Milhares de peixes também morreram nos cursos de água do Amazonas devido à falta de oxigénio na água.
Os botos do rio Amazonas, muitos deles de uma cor rosa impressionante, são uma espécie única de água doce que se encontra apenas nos rios da América do Sul e constituem uma das poucas espécies de golfinhos de água doce que restam no mundo. Os ciclos reprodutivos lentos tornam as populações especialmente vulneráveis a ameaças.
Miriam Marmontel disse que esperam determinar o que causou as mortes do ano passado antes do início da estação seca na Amazónia, para que os investigadores possam reagir mais rapidamente.
“Pretendemos saber mais sobre a saúde dos golfinhos numa altura em que os níveis de água começam a descer e as temperaturas começam a subir, para podermos identificar as alterações e saber se são devidas a temperaturas mais elevadas ou a uma toxina ou poluente na água”, disse à Reuters.
O projecto foi apoiado pela Fundação Nacional de Mamíferos Marinhos da Califórnia, cujos investigadores ajudaram a realizar exames de ultra-sons aos golfinhos.
Miriam Marmontel disse que a maioria dos golfinhos que pereceram no ano passado estava no lago Tefé, uma extensão de água de 45 quilómetros de largura onde os golfinhos gostam de ficar, perto do rio Solimões.
As águas do lago atingiram 40,9 graus Celsius durante a seca de 2023, mais de 10 graus Celsius acima da média para aquela época do ano. Agora, a água está a 30 graus Celsius, disse Ayan Fleischmann, investigador de geociências do Instituto Mamirauá.
Os activistas ambientais atribuíram as condições incomuns às mudanças climáticas, que tornam as secas e as ondas de calor mais prováveis e severas. O papel do aquecimento global na seca amazónica do ano passado não é claro, com outros factores, como o fenómeno meteorológico El Niño, a serem também considerados como um factor.