Cidades costeiras têm “uma necessidade urgente” de adaptação aos riscos climáticos

Centros urbanos costeiros não estão a preparar-se tão rapidamente (e bem) como deveriam, diz estudo que inclui cidades portuguesas. Adaptações devem ter em conta os riscos do futuro, não do presente.

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Lisboa é uma das três cidades portuguesas abrangidas nos estudos analisados pelos cientistas Miguel Manso
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As cidades costeiras ao redor do globo não estão a preparar-se para os efeitos da crise climática tão bem e rapidamente como deveriam, revela uma análise sistemática publicada esta segunda-feira na revista científica Nature Cities.

O estudo avalia 183 estudos relativos a 199 centros urbanos debruçados sobre as águas, incluindo Almada, Lisboa e Setúbal, e apresenta uma “conclusão alarmante”: existe “uma necessidade urgente de uma adaptação” nesses territórios para fazer face à subida do nível do mar, à erosão costeira, às ondas de calor e outros riscos associados à mudança do clima.

“O estudo mostra claramente que as cidades costeiras de todo o mundo começaram a adaptar-se às alterações climáticas, mas que este processo de adaptação tem de ser melhorado no futuro. Em particular, a adaptação tem de ser mais rápida, tem de estar ciente das tendências de risco futuras e tem de incluir mudanças institucionais mais profundas para a gestão do risco, quando necessário”, explicou ao PÚBLICO o co-autor Matthias Garschagen.

O artigo oferece uma análise global da adaptação climática nas cidades à beira-mar, procurando identificar as falhas e lacunas existentes. O objectivo é ajudar decisores políticos e técnicos a promover estratégias eficazes para fazer face aos impactos climáticos não só do presente, mas também do futuro. Entre os fenómenos extremos considerados no artigo estão a subida do nível do mar, as inundações, as tempestades, a erosão costeira, os ciclones tropicais e as ondas de calor.

“O nosso trabalho é o primeiro estudo global que analisa evidências já publicadas sobre o tipo de adaptação às alterações climáticas nas cidades costeiras. Esta visão global é importante não só para que as cidades e regiões possam aprender umas com as outras, mas também para a elaboração de políticas globais, por exemplo, no âmbito do Acordo de Paris e do Global Stocktake (balanço global, em português)”, refere Matthias Garschagen.

A análise sistemática também mostra que as adaptações que muitas cidades fizeram até agora baseiam-se em efeitos actuais da crise climática, ou então em experiências do passado. Para os autores, as medidas de adaptação não podem ser concebidas a olhar para o retrovisor; pelo contrário, devem ser pensadas à luz de projecções de riscos futuros.

“As cidades precisam de aplicar uma perspectiva integrada ao avaliarem os riscos futuros. Para além de considerarem os futuros níveis de água extremos ou a intensidade das tempestades, também precisam de considerar as futuras alterações na utilização dos solos, na demografia e na economia”, defende Matthias Garschagen, professor do departamento de geografia da Universidade Ludwig-Maximilians de Munique, na Alemanha.

O investigador alemão, especialista em gestão de risco em zonas costeiras, afirma que cada cidade deve questionar-se sobre como o território será no futuro e, só depois, apostar em estratégias para fazer face aos desafios climáticos. De resto, não há soluções mágicas ou universais: as técnicas para mitigar ou prevenir os impactes variam consoante a localização e o perfil socioeconómico de cada centro urbano.

“A minha cidade está actualmente a crescer em áreas que serão propensas a inundações no futuro? Esse crescimento deve ser evitado agora? Haverá mais pessoas vulneráveis na minha cidade no futuro? A minha infra-estrutura e a minha economia serão talvez mais susceptíveis a catástrofes no futuro, por exemplo, devido ao envelhecimento das infra-estruturas? Todas estas questões têm de ser consideradas”, alerta Matthias Garschagen, numa resposta por escrito.

As cidades costeiras podem adoptar diferentes estratégias de adaptação consoante o risco climático a que estão mais expostas. Se o objectivo é proteger a linha de costa, por exemplo, podem apostar na elevação ou relocalização de casas ou então em intervenções leves (reposição de areia) ou pesadas (diques, molhes, esporões e quebra-mares). Já se o risco consistir em ondas de calor, as medidas de adaptação podem passar pelo apoio à instalação de aparelhos de ar condicionado em lares de idosos e infantários.

Disparidades entre o Sul e Norte Global

A análise da Nature Cities sugere ainda que as administrações municipais dos países de rendimento elevado têm maior probabilidade de garantir infra-estruturas ou respostas institucionais, como, por exemplo, a construção de gigantescos diques ou a oferta de abrigos seguros para populações vulneráveis.

Já as nações com menos recursos tendem a apostar mais em adaptações comportamentais com o apoio da família ou comunidade. É o caso de iniciativas de entreajuda quando é necessário elevar ou reconstruir casas particulares após um fenómeno climático extremo, ou prestar auxílio a vizinhos ou parentes que tenham ficado numa situação de vulnerabilidade após uma catástrofe.

Os autores sublinham ainda na análise sistemática que existe pouca informação publicada sobre a adaptação urbana costeira dos países de baixo e médio rendimento, ou sobre certos tipos de estratégia de adaptação (é o caso das soluções baseadas na natureza). Matthias Garschagen confessa que já esperava que houvesse menos estudos sobre cidades costeiras no Sul Global em comparação com o Norte Global, mas não antevia que a diferença fosse tão abismal.

“Ficámos bastante surpreendidos por ver uma lacuna tão grande no conhecimento que temos sobre a adaptação urbana nos países em desenvolvimento e nas economias em transição. Continuamos a saber muito mais sobre as cidades costeiras dos países ricos do que nos países mais pobres. Esta lacuna tem de ser colmatada no futuro”, afirma o investigador alemão.