A Feira de São Mateus é uma das mais antigas do país, mas de velha não tem nada

Farturas, carrosséis, jogos, música e quinquilharia. A festa popular de Viseu, que conta com mais de 600 anos de história, tem tudo isto e muito mais. Passámos por lá umas horas e ficámos convencidos.

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Feira de São Mateus Adriano Miranda
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“Doze argolas só 3 euros. 24 argolas só 5 euros.” À primeira vista parece simples. Não será preciso grande pontaria para colocar uma (ou mais argolas) no gargalo das garrafas que estão amontoadas no centro daquela estrutura em madeira, com forma hexagonal, que goza de um estatuto muito especial: é o divertimento mais antigo da Feira de São Mateus. “Já venho para aqui há uns 40 anos”, conta Emília Esteves, que naquele dia estava prestes a fazer 76 anos.

Originária de uma aldeia de Idanha-a-Nova, passou grande parte da vida a fazer feiras pelo país fora. Quando o marido era vivo, “chegaram a ser 20 e tal festas por ano”. Agora, cinge-se à feira popular de Viseu, pois “é preciso ganhar mais algum”, uma vez que tem “uma reforma de miséria”. A vida de feiras e festas populares é coisa de família. Já vem dos antepassados e foi transmitida também às filhas e, mais recentemente, aos netos. “Mataram a cabeça a estudar e não arranjaram trabalho. Tiveram que vir para as feiras”, testemunha, antes de nos passar uma dúzia de argolas para a mão. Má sorte ou falta de pontaria. Chamem-lhe o que quiserem, mas o grande consolo é saber que o momento não foi registado em vídeo.

Na barraquinha em frente está a filha de Emília a vender gelados — os netos estão do outro lado, com um carrossel da Branca de Neve e os Sete Anões —, concorrendo com iguarias como as sandes de leitão, o porco no espeto, o caldo verde ou o açaí. Variedade é coisa que não falta nesta feira popular repleta de tradição e história. São 632 edições — número que a torna uma das mais antigas do país; a Viseu Marca, aliás, assume que é mesmo a mais antiga da Península Ibérica —, 89 das quais com a participação da família de Bruno Lopes a vender farturas. “O meu bisavô vendia farturas porta-a-porta em Lisboa e como tinha família em Arganil soube da feira e começou a vir para cá”, introduz, a propósito da aventura iniciada em 1935 e que levaria a que a família se fixasse, a partir da geração seguinte, em Viseu. “A minha avó acabou por se casar aqui e ficou na cidade”, prossegue o comerciante, de 45 anos, que só faz esta feira —​ durante o resto do ano dedica-se, com a mulher, às clínicas e lojas de veterinária que têm em Viseu.

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Feira de São Mateus ADRIANO MIRANDA

É à família Lopes que se deve a criação das farturas à moda de Viseu. “São as farturas tradicionais, mas cortadas ao meio, para levarem açúcar em pó e canela também no meio”, explica António José Lopes, pai de Bruno — é ele quem dá nome ao stand de farturas da família (Tó Zé, O Rei das Farturas) —, ao mesmo tempo que pega na roda de massa acabada de fritar para a cortar aos pedaços. “Esta tesoura era da minha avó”, nota, com orgulho, garantindo-nos que o corte das farturas “tem a sua sabedoria”. “Tem de ser feito na diagonal. É preciso mão firme”, comenta, antes de abrir duas farturas ao meio e de nos dar a provar a finalização “à moda de Viseu”. Por mais que a ideia da dose extra de canela e açúcar em pó soe a enjoativo, a verdade é que o sabor do óleo acaba por ser atenuado.

A tradição das enguias ainda é o que era, mas mais cara

Das farturas seguimos para as barraquinhas das enguias, outro dos produtos históricos da Feira de São Mateus. A tradição, segundo consta, tem mais de 100 anos. “Antigamente, as pessoas traziam a batatinha de casa e o vinho e comiam aqui as enguias”, conta Maria Joaquina, responsável por uma das barraquinhas às riscas onde a iguaria originária da Murtosa continua a ser rainha. “Já vêm prontas a servir”, revela a comerciante, ao mesmo tempo que abre a barrica com várias espetadas de enguias em molho escabeche. Cada espetada custa 25 euros, com o acompanhamento — batata cozida, batata frita ou pão — a ser cobrado à parte. “O preço da enguia duplicou em 2022. Vendíamos a 10 euros e tivemos de passar para 20. E no ano passado tivemos de passar para os 25 [euros] pois não sabemos, ao certo, quantas espetadas tem cada barrica”, explica, reconhecendo que o encarecimento do produto não tem ajudado ao negócio. “Dantes, um casal comia duas espetadas. Agora, só pedem uma”, nota.

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Feira de São Mateus ADRIANO MIRANDA?

Passadas as horas em que o sol é mais forte, ganhamos coragem para deixar a zona guardada pela sombra das árvores e entrar na zona dos divertimentos —​ a área expositiva, no interior do pavilhão multiusos, também pode ser um bom refúgio nas horas de maior calor. Basta seguir o som do inconfundível apito dos carrinhos de choque, sem perder o rumo na altura em que um ou outro carrossel parecem estar a medir forças através das colunas de som.

Marina Garcia acaba de dar por terminada a sua volta no Maxi Dance, na companhia de Rafael Nascimento. “É emocionante, especialmente quando a cadeira anda para cima e para baixo”, avaliava a jovem, de Trancoso, que estava naquele dia a celebrar o seu 19.º aniversário. A ida à Feira de São Mateus, com vários amigos, tinha assim um sabor a festa. “É muito bom porque aqui tem muitos carrosséis. Em Trancoso nunca temos assim tantos”, reparavam, ao mesmo tempo que davam como muito bem empregues os quatro euros gastos no Maxi Dance. “A volta foi grande”, frisavam.

Quem também não chorava, de todo, o dinheiro gasto em divertimentos era Anabela Martins. O filho, Angel, de nove anos, estava encantado com aquela espécie de nave que subia e descia, ao mesmo tempo que andava à roda. “E uma mãe faz tudo para ver os filhos felizes”, testemunhava. Naquela tarde, a família, que está emigrada em França, cumpria já a sua terceira visita à Feira de São Mateus deste ano e tinham esperanças de ainda poderem voltar ao recinto antes de dar as férias por terminadas. Os feirantes agradecem, uma vez que se avizinham meses menos dados a festas e feiras.

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Ao caminhar por entre o Mega Canguru XXL, o Mega Jump, o Maxi Dance e outros que tais, damos de caras com o Texas Saloon e os dois cowboys que ajudam a cativar clientes para aquela barraca de tiro ao alvo. No interior, é Jéssica Lorador quem passa a espingarda aos clientes e dá as devidas instruções. Originária da Figueira da Foz, aos 19 anos já assume a responsabilidade de gerir o seu próprio divertimento, à semelhança do que acontece com os irmãos mais velhos —​ a ligação às feiras vem dos pais, que também estavam presentes naquele recinto, mas com um atrelado maior. Sonha ser arquitecta mas, segundo confessa, ainda não conseguiu cortar “o cordão umbilical”. “Terminei o 12.º ano no ano passado, mas a faculdade é longe”, desabafa, com o ar de quem ainda está a ganhar coragem para sair da casa dos pais. O facto de estar a assumir a gestão do Texas Saloon pode dar uma ajuda.

A feira dos encontros e das memórias

Se há fama que acompanha a Feira de São Mateus é a de ser ponto de encontro de gerações e amigos. Ciente disso, a câmara municipal decidiu antecipar, este ano, o certame. Começou logo no primeiro dia de Agosto e vai estender-se até 8 de Setembro — a partir dessa data, os comerciantes vão ter a possibilidade de se manter no recinto, até dia 21, dia de São Mateus, sem pagar. O objectivo? “Permitir que os nossos emigrantes vivam a feira. Houve alturas em que ela começava a 26 de Agosto e os emigrantes queixavam-se, pois só podiam estar um ou dois dias”, destaca Fernando Ruas, autarca a quem a feira também traz uma série de lembranças.

“Vínhamos com algum dinheiro e íamos convidar as colegas para dar umas voltas nos carrinhos de choque. E também me lembro de comer aqui o rancho à moda de Viseu, cuja história data da época das Invasões Francesas”, evoca, regozijando-se pelo facto de a feira não ter perdido as suas características mais tradicionais e históricas. “Tudo isto sem deixar de acompanhar a modernidade. O palco é um sinal evidente disso mesmo”, frisou. É por lá que estão a passar nomes grandes da música nacional e foi também ali que a Viseu Marca estreou uma nova proposta: um festival de Verão incluído na programação da feira, o Mateus Fest. “Quisemos inovar em termos de programação e permitir que a região também tivesse o seu festival”, enquadrou Pedro Alves, presidente da Viseu Marca, dando a aposta como ganha. O Mateus Fest volta em 2025. Já a Feira de São Mateus ainda tem uns quantos dias de animação para oferecer.

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Notícia alterada a 29 de Agosto na sequência de um alerta de rectificação a propósito do facto de esta poder não ser a feira mais antiga do país. A verdade é que a Viseu Marca reclama o título de “feira mais antiga da Península Ibérica” e esse detalhe, também usado como slogan pela organização da feira, ficou expresso no texto como um facto. Havendo outras feiras (como Trancoso) a disputar o título de mais antigas do país, essa dúvida e diferentes interpretações deveriam estar patentes no texto. Aos leitores, apresentamos as nossas desculpas.

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