Mulheres de rosto coberto, homens proibidos de cortar a barba. Taliban oficializam leis da moralidade no Afeganistão
Sanções para infracções incluem “conselhos, avisos de punição divina, ameaças verbais, confisco de bens, detenção de uma hora a três dias em cadeias públicas ou outra punição considerada apropriada”.
Os taliban oficializaram um longo conjunto de regras que regem a moralidade, que vão desde exigir às mulheres que cubram todo o corpo e rosto, as proibir de usarem a sua voz em público e inibir os condutores de automóveis de passarem música dentro dos seus carros. As regras, promovidas como estando em conformidade com a sharia (lei islâmica), deverão ser aplicadas pelo Ministério da Moralidade e baseiam-se num decreto do líder espiritual supremo dos taliban de 2022.
Foram agora oficialmente publicadas como lei, disse um porta-voz do Ministério da Justiça. O Ministério da Moralidade, formalmente designado por Ministério da Prevenção do Vício e Propagação da Virtude, tem vindo a aplicar requisitos de moralidade semelhantes e afirma ter detido milhares de pessoas por infracções. Não se sabe, para já, se a publicação das regras conduziria a uma aplicação mais rigorosa das mesmas.
A lei da moralidade, com 35 artigos, foi oficialmente promulgada e publicada na quarta-feira, depois de ter sido ratificada pelo líder espiritual supremo Haibatullah Akhundzada, disse o porta-voz do Ministério da Justiça, Barakatullah Rasoli. "De acordo com esta lei, o Ministério [da Prevenção do Vício e da Propagação da Virtude] é obrigado a promover o bem e a proibir o mal, em conformidade com a sharia islâmica", declarou o ministério da Justiça em comunicado.
A nova lei estipula, nomeadamente, que “as mulheres devem cobrir completamente o corpo na presença de homens que não pertençam à sua família”, bem como o rosto “por medo de tentações”. Isto implica o uso de uma máscara (tipo covid-19) sobre a boca, aplicando-se ainda “às mulheres que tiverem de sair de casa por necessidade”.
As mulheres não devem também usar a sua voz em público através de canções ou poesia, assim como estão previstas proibições para os condutores de veículos: nada de música, nada de drogas, transporte de mulheres sem véu, mulheres na presença de homens que não sejam membros da sua família, ou mulheres sem um mahram (acompanhante, um membro masculino da família).
As restrições impostas pelos taliban às mulheres e à liberdade de expressão foram objecto de fortes críticas por parte de grupos de defesa dos direitos humanos e de muitos governos de muitos países desde que os antigos insurrectos retomaram o controlo do Afeganistão em 2021.
"Dia após dia, estão a tentar apagar as mulheres da sociedade", disse Halema, uma dona de casa de 37 anos de Cabul. "O silêncio da comunidade internacional em relação às acções dos taliban está a encorajá-los a criar novas leis e restrições todos os dias".
O Ocidente, liderado por Washington, afirma que o caminho para o reconhecimento formal dos taliban está em grande parte bloqueado até que o grupo inverta o rumo que tomou em matéria de direitos das mulheres. No entanto, os taliban dizem que respeitam os direitos das mulheres, de acordo com a sua interpretação da lei islâmica e dos costumes locais, e que esta questão faz parte dos assuntos internos que devem ser tratados a nível local.
Das sanções para as infracções fazem parte "conselhos, avisos de punição divina, ameaças verbais, confisco de bens, detenção de uma hora a três dias em cadeias públicas e qualquer outra punição considerada apropriada", acrescentou o ministério.
Se tais medidas não conseguirem corrigir o comportamento de um indivíduo, este será levado a tribunal. "Muitas destas regras já estavam em vigor, mas de maneira menos formal, e agora estão a ser formalizadas. Penso que isto é um sinal daquilo a que temos vindo a assistir nos últimos três anos, que é uma escalada constante e gradual da repressão", disse Heather Barr, directora da divisão de Direitos das Mulheres da Human Rights Watch.
As leis também instruem os condutores de veículos a não transportarem mulheres sem um tutor masculino e exigem que os meios de comunicação social respeitem a lei da sharia, proibindo a publicação de imagens que contenham seres vivos.
Os funcionários do Ministério da Moralidade têm vindo a monitorizar os afegãos em todo o país por alegados delitos. O ministério disse esta semana que no ano passado tinha detido mais de 13 mil pessoas, embora não tenha discriminado o género dos detidos. Cerca de metade das detenções foram efectuadas durante 24 horas.
Os taliban suspenderam a anterior constituição do Afeganistão quando assumiram o poder em 2021, com a retirada das forças estrangeiras, e afirmaram que iriam governar o país de acordo com a lei islâmica. De acordo com o Ministério da Justiça, as leis de moralidade divulgadas esta semana foram o sétimo conjunto de leis codificadas, com outras relacionadas com a propriedade, os serviços financeiros e a prevenção da mendicidade.