Wout van Aert vence na Vuelta. Agora, tem duas estátuas para erguer
Sepp Kuss colocou os seus objectivos de parte, prestando-se a trabalhar para Wout van Aert. Depois, foi Vlasov, que nem é da equipa do belga, a trabalhar por ele. Van Aert tem dívidas – e das grandes.
A etapa 7 da Volta a Espanha tinha o nome de Wout van Aert escrito “na testa”. Era um desenho perfeito para o belga, havendo uma elevação nos quilómetros finais, mas com descida e final plano. Sendo a escalada feita com ritmo endurecido, deixaria para trás os sprinters puros, mas dificilmente anularia o homem da Visma, que iria ao sprint sozinho. Era um plano óbvio. E assim foi. O belga venceu a etapa com relativa facilidade, com um sprint à frente de Mathias Vacek e Pau Miquel.
Agora, o belga tem duas estátuas para erguer – ou duas cervejas para pagar, que o calor tórrido destas etapas da Vuelta sugerem qualquer coisa fresca. A primeira é a Sepp Kuss, ciclista que poderia ter ambições de vitória na Vuelta, mas colocou os objectivos pessoais de lado e esteve ao serviço de Wout van Aert, perseguindo os fugitivos que tentaram que o final não fosse em sprint.
Depois, é bom que Van Aert agradeça bastante a Alexandr Vlasov, ciclista da Bora. Por que motivo Vlasov, sem ser colega de Van Aert, não só foi fazer uma perseguição pelo belga como ainda lhe lançou o sprint nos metros finais?
Se foi para o seu líder Roglic ir buscar segundos no sprint, foi um acto de fé algo bizarro num final plano. Poderá ter sido para “pedirem” ajuda futura a Roglic por parte de Kuss e Van Aert, ex-colegas do esloveno? Aqui já é especulação pura, mas os próximos dias o dirão.
Um fugitivo
O dia começou com Xabier Isasa a movimentar-se. Foi o único ciclista a prestar-se à fuga e desde cedo pareceu que um esforço solitário com aquele calor e – e durante tantos quilómetros – era um “suicídio”.
Como se brincava no Twitter, o único motivo para se ir sozinho com um calor daqueles – e com tão parca probabilidade de sucesso – era para conseguir uma boa fotografia para emoldurar. E Isasa, em rigor, acabou esta etapa com algumas fotografias bastante bem apanhadas, enquanto exibiu os patrocínios da Euskaltel.
Chegou a ter mais de oito minutos de vantagem, mas foi neutralizado assim que o pelotão decidiu que tinha de ser.
Antes da etapa, Wout van Aert tinha dito que a ideia era levar a etapa para um sprint. Poderia ser bluff ou poderia ser apenas malandrice com as palavras: falou de sprint, mas não disse se seria em pelotão compacto.
Seria evidente o plano da Visma de tentar endurecer a corrida para poder deixar alguns velocistas para trás, sabendo que Van Aert passaria essa montanha e poderia, sem velocistas na meta, vencer com relativa facilidade. E assim foi.
A Visma endureceu o ritmo e teve, depois, a ajuda da Bora, que chegou mesmo a atacar com Roglic, para testar O’Connor. O camisola vermelha respondeu sem especial problema, mostrando frescura. O problema será na alta-montanha de domingo, mas isso logo se vê.
O que importava nessa fase da etapa era perceber de que forma a Visma iria impedir os ataques num grupo tão pequeno e, sobretudo, a recolocação dos sprinters que tinham sido deixados para trás.
Wout van Aert não poderia fazer esse trabalho, já que teria de ser ele o real beneficiário desse labor, pelo que restava Kuss, o ciclista da Visma para a classificação geral.
Kuss ao serviço
Um só homem teria de abdicar dos seus interesses (algo que Kuss já fez várias vezes) e ainda controlar cerca de 25 ciclistas, além de impor um ritmo rápido que impedisse os atrasados de lá chegarem. Seria utópico.
O primeiro a atacar foi Soler e ninguém parecia muito capaz de o perseguir. E Wout van Aert teve de se colocar ao vento, porque não poderia confiar apenas na ajuda de Kuss. Tentou fechar o espaço, mas falhou.
Foi, novamente, a vez de Kuss se colocar ao serviço e conseguiu mesmo rebocar o grupo até Soler. Depois, atacou outro UAE, com Sivakov.
Kuss já muito tinha feito e não tinha como perseguir mais. Wout van Aert teve uma ajuda "caída do céu", com a tal perseguição de Vlasov, que o levou à vitória. O belga que lhe pague uma cerveja fresca no calor de Córdoba.
Nas contas da classificação geral não houve alterações significativas. João Almeida mantém-se em terceiro lugar, a 4m59s de Ben O'Connor.
Para este sábado está desenhada mais uma etapa com alguma montanha, e com final em alto, mas são elevações que, em teoria, não permitem fazer grandes diferenças. É possível que os principais favoritos se resguardem, até porque há alta-montanha no domingo, mas, com Roglic, nunca se sabe onde podem vir acelerações. Em tese, dará para a fuga – mas não é garantido.