Laurissilva: vão-se os anéis ficam os dedos
Há uma semana que lavra um incêndio de enormes proporções na ilha da Madeira. Têm sido consumidas zonas agrícolas e florestais, como nos contam os repórteres dos diferentes media. No entanto, salvo raras excepções, a preocupação perante a perda de um património natural, a Laurissilva, classificado pela UNESCO como de valor universal excepcional, é pouco aflorado. Esta floresta primitiva, que produz uma série de serviços de ecossistema fundamentais para a ilha da Madeira, tem uma contribuição inegável na valorização social da região insular e é um património que distingue o território e a imagem da região. É a “jóia da coroa”, contributo inegável para a valorização económica da região, que pode ficar muito “beliscada”.
A floresta da Madeira, conhecida por Laurissilva, é um ecossistema único e rico que remonta ao período Terciário, ou seja há mais de 240 milhões de anos. São (eram) 15.000 hectares de mancha florestal, com muitos milhões de anos, que se tem mantido ou que tínhamos sabido conservar, como em mais lado nenhum. Existem manchas nos Açores, relíquias nas Canárias e Cabo Verde, mas é na Madeira que este coberto florestal primitivo que ocupava uma extensa área da actual bacia do Mediterrâneo, Norte de África, denominada Macaronésia, tem a sua máxima expressão.
Esta herança, que resistiu a cinco séculos de ocupação e exploração humana, denominado Parque Natural da Madeira, é Património Cultural Imaterial da Humanidade classificado pela UNESCO, desde 1999, Sítio de Rede Natura 2000 e pertence ainda à Rede de Reservas Biogenéticas do Conselho da Europa.
Importa lembrar que um bem é inscrito na Lista do Património Imaterial UNESCO devido ao seu valor universal excepcional. Este estatuto, partilhado por 962 sítios naturais e culturais, torna cada um destes bens num elemento patrimonial que todos temos a responsabilidade de proteger. De acordo com a legislação vigente, os bens inscritos na lista do Património Mundial devem usufruir de uma protecção legislativa, regulamentar e institucional e providenciar uma zona tampão adequada que garanta a sua salvaguarda a longo prazo. Devem possuir, ainda, um plano de gestão que assegure a protecção eficaz e que inclua o planeamento preventivo dos riscos de desastres, alterações climáticas e outros.
Perante todos estes atributos e responsabilidades de pertença de um bem único e inigualável, após o rescaldo do fogo seria bom parar para pensar e avaliar o que correu mal e prevenir futuros desastres. Estamos perante crescentes aumentos de temperatura e menor precipitação anual, o que leva a situações de seca e acumulação de biomassa receptiva ao fogo. Isto significa que a prevenção, as medidas de segurança terão de ser mais eficazes e diferentes do que tem sido até aqui. Os fogos recorrentes dos últimos 10 anos já deviam ter feito soar os alertas.
A mensagem que tem passado para a comunicação social é a salvaguarda da “jóia da coroa”. Perde-se uma parte, mas não vale a pena desesperar! Mesmo que o núcleo central da floresta Laurissilva não tenha sido afectado, as orlas, a zona tampão, foram-no, o que arrasta novos problemas e ameaças: a invasão de acácias e outras espécies exóticas e invasoras, a utilização das bordaduras da floresta para zona tampão, com a consequente diminuição da área nobre da floresta e da sua integridade ecológica. A pouco e pouco a fragilidade aumenta e a sua preservação fica cada vez mais comprometida.
Pelo contrário, a mensagem devia servir para alertar sobre esta fragilidade cumulativa ao longo destes últimos anos de fogos que “beliscam” a floresta e afectam o equilíbrio de todo esse ecossistema contíguo. Alertar para os cuidados a ter por toda a população e visitantes, para a necessidade de valorizar e melhorar a segurança de um património mundial que se encontra em nosso poder, para nosso usufruto e salvaguarda.
Para transmitir esta noção de poder e de responsabilidade há que divulgar o papel e valor desta floresta terciária. Têm sido vários os programas sobre a Laurissilva, a formação formal e não formal dos jovens madeirenses, mas a mensagem terá de ser passada de forma mais eficaz: assertiva e continuada no tempo, para dentro e fora da ilha. Por outro lado, deviam ser assumidas e divulgadas novas medidas de prevenção, rigorosas e exigentes para evitar que a jóia se perca e se fique, apenas, com amostras de espécies plantadas.