Brasil perdeu 33% das florestas naturais desde 1500

Levantamento aponta que seres humanos acabaram com 281 milhões de hectares de florestas, um terço do território brasileiro, desde que portugueses aportaram no país. Problema se agravou de 1985 a 2023.

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A floresta Amazônica tem sido a principal vítima do desmatamento provocado pelo ser humano BRUNO KELLY/ Reuters
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O processo de devastação das florestas nativas do Brasil não dá trégua. Dados divulgados nesta quarta-feira (21/08) pela MapBiomas apontam que o país perdeu 33%, ou 281 milhões de hectares, de matas naturais, superfícies de águas e áreas não naturais, como praias e dunas, desde 1500, início da colonização portuguesa. Desse total, 55 milhões de hectares foram destruídos na Amazônia.

Segundo o MapBiomas, a rede de ONG e universidades responsável pelo estudo que identificou o estrago provocado pelos seres humanos no meio ambiente, a derrubada de florestas se acentuou entre 1985 e 2023, período em que 13% (110 milhões de hectares) dos biomas foram atingidos pela ação humana. Quase 45% dos mais de 5,5 mil municípios brasileiros perderam vegetação nativa.

Para o coordenador geral do MapBiomas, Tasso Azevedo, a destruição acelerada de floresta nativa no Brasil impacta negativamente a dinâmica do clima no país e diminui o efeito protetor durante eventos climáticos extremos. Mas há, no seu entender, uma boa notícia no horizonte: cerca de um terço dos municípios brasileiros estão recuperando áreas de vegetação nativa, especialmente em reservas indígenas.

Os estados com maior proporção de municípios com ganho de vegetação nativa são Paraná (76%), Rio de Janeiro (76%) e São Paulo (72%). Já entre os estados com maior parcela de municípios com perda de vegetação estão Rondônia (96%), Tocantins (96%) e Maranhão (93%).

O mapeamento inédito inclui os recifes de coral que ficam em águas rasas ao longo da costa marítima brasileira, além de um balanço de ganhos e perdas de vegetação nativa nos municípios a partir de 2008, ano em que foi instituído o Fundo Amazônia.

Pantanal sob ataque

Pelos cálculos do MapBiomas, no Brasil como um todo, apenas 18% dos municípios tiveram estabilidade em relação ao tamanho da vegetação nativa entre 2008 e 2023. São locais onde o ganho e perda da vegetação foram menores que 2%. Em outros 37% houve ganho de vegetação nativa.

O bioma com maior percentual de municípios onde a área de vegetação nativa cresceu nesses 16 anos foi a Mata Atlântica: 56%. Já o bioma com a maior proporção de municípios com perdas acentuadas de vegetação nativa foi o Pampa, com 35%.

Quando consideradas todas as perdas nesse período (a partir de 2%), o bioma com mais municípios com perdas de áreas naturais é o Pantanal, com 82%. No caso do Matopiba, região do Cerrado brasileiro que reúne os estados do Maranhão, de Tocantins, do Piauí e da Bahia, pelo menos um município registrou mais de 30% de destruição de vegetação nativa entre 2008 e 2023.

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O Pantanal brasileiro teve 82% da área comprometida pela ação humana. A onça pintada é uma das maiores vítimas do desmatamento AMANDA PEROBELLI/ Reuters

Tasso Azevedo chama a atenção, no relatório, que, nos últimos 39 anos, as fitofisionomias — conceito utilizado na ecologia para descrever a aparência física de uma comunidade vegetal em determinada região — de Estepe no Pampa, Savana no Cerrado e Floresta Estacional Sempre-verde no Sul da Amazônia foram as que, proporcionalmente, mais perderam vegetação nativa.

Já a Floresta Estacional Semidecidual (que depende das variações sazonais de temperatura e umidade e se notabiliza por ter várias espécies que perdem parcialmente suas folhas) e a Floresta Ombrófila Mista, também conhecida como Mata com Araucária (que depende de chuvas constantes ao longo do ano), foram as mais exploradas historicamente. Como mostra o levantamento do MapBiomas, até 1985, ambas já tinham sido reduzidas a menos de 50% da sua área de distribuição original.

Eduardo Vélez, também responsável pelo estudo, acrescenta: “As florestas no Brasil são muito diversas, com características e espécies típicas de cada região. Por isso, estão sujeitas a diferentes graus de ameaça”. Segundo ele, “essa diversidade deve ser levada em conta em políticas públicas para conservação e bioeconomia das florestas”.

Terras indígenas

Um outro ponto importante é destacado por Luís Oliveira, da equipe da Amazônia do MapBiomas: o fato de o Brasil ter uma área florestal maior que o estado de Minas Gerais ainda sem destinação na Amazônia Legal. “Essas áreas estão mais suscetíveis ao desmatamento em relação às florestas que estão sob algum regime de proteção. Assim, é importante e urgente destinar essas áreas e transformá-las em territórios protegidos. A conversão dessas áreas para algum tipo de uso antrópico (sob intervenção humana) agravaria ainda mais a atual crise climática”, avisa.

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Levantamento do MapBiomas aponta que as terras indígenas são as que mais preservam a floresta Amazônica NELSON GARRIDO

O alerta feito por ele é baseado, sobretudo, no resultado observado pelos pesquisadores nas terras indígenas, que representam 13% do território nacional. Entre 1985 e 2023, essas áreas perderam menos de 1% da vegetação nativa, enquanto, nas áreas privadas, a destruição atingiu 28% do meio ambiente. Mais: nas áreas próximas às cidades, a derrubada de matas tem sido a principal responsável por deslizamentos, que colocam em risco a vida da população.

O mapeamento assinala, ainda, que 72% dos recifes de coral em águas rasas, habitats marinhos, formados pelo acúmulo progressivo do esqueleto calcário de corais e algas, se encontram em Unidades de Conservação, sendo que uma delas, a APA Ponta da Baleia, em Abrolhos, responde por 33% de toda essa área.

Segundo Cesar Diniz, da equipe de mapeamento da Zona Costeira do MapBiomas, a costa leste brasileira, sem grande descarga sedimentar de rios, tem águas claras, com grande penetrabilidade à luz. E esse é um dos fatores que explicam a grande concentração de recifes de corais na região.

“Entretanto, a exuberância dos corais do Brasil, e do mundo, está ameaçada pelo aumento da temperatura média dos oceanos, condição que leva ao branqueamento do coral e, eventualmente, à sua morte”, frisa o especialista. Que emenda: “Estima-se que um quarto de toda vida marinha é dependente de corais, em algum momento de sua vida. Logo, monitorar as condições coralíneas do país é absolutamente relevante a todos nós. Mesmo que não percebamos, todos estamos associados aos serviços ecossistêmicos prestados pelos recifes de corais”.

Os artigos escritos pela equipa do PÚBLICO Brasil são escritos na variante da língua portuguesa usada no Brasil

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