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Custo menor com moradia leva brasileiros para o interior de Portugal
Nova leva de brasileiros que têm cruzado o Atlântico está preferindo se instalar em cidades menores, que oferecem aluguéis e preços de compra de imóveis mais acessíveis, além de segurança e lazer.
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Quando decidiu se mudar com a família para Portugal, o paulista José Manoel de Simões Henriques, 52 anos, tinha a exata noção de que não se fixaria em grandes centros como Lisboa e Porto. Além dos problemas característicos de grandes cidades, que ele conhecia tão bem dos tempos em que viveu na megalópole São Paulo, entendia que, numa cidade do interior lusitano, conseguiria reunir qualidade de vida e segurança a um fator determinante: o preço dos imóveis tanto para aluguel quanto para compra. Era vital que tudo se encaixasse no orçamento doméstico sem que a família precisasse abrir mão de coisas básicas.
Como o engenheiro e professor, que está morando há pouco mais de um ano na pequena vila do Cadaval, muitos brasileiros que têm aportado em Portugal, que enfrenta uma grave crise habitacional, vêm fazendo o caminho em direção ao interior do país. A procura por imóveis, sobretudo nos grandes centros, é muito maior do que a oferta, jogando os valores dos aluguéis e das aquisições nas alturas. “Estou muito feliz com a escolha que fiz. Cadaval tem tudo o que quero e preciso”, diz.
Dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) de Portugal comprovam esse movimento, que parece ainda estar longe de uma acomodação, apesar dos sinais de desaceleração. Nos primeiros de 2024, o custo médio do metro quadrado (m2) para aluguel subiu 10,5% na comparação com o mesmo período do ano anterior. Já o preço médio de venda das casas, segundo avaliação bancária, avançou 7% nos primeiros três meses de 2024 com o m2 situando-se em 1.610 euros (R$ 9.660).
Além das moradias mais em conta, os brasileiros têm priorizado, na ida para o interior lusitano, a qualidade das escolas para os filhos. “Esse é um ponto crucial”, ressalta a empresária Patrícia Lemos, que tem auxiliado uma série de famílias na mudança do Brasil para o outro lado do Atlântico. Ela é dona da empresa Vou Mudar para Portugal. Os brasileiros valorizam colégios com boa reputação e o que consideram ser condições adequadas de ensino, e algumas cidades periféricas oferecem opções que atendem a esses critérios.
“Estamos falando de um conjunto de fatores que pesam para essa interiorização dos brasileiros em Portugal”, afirma Patrícia. O pacote inclui supermercados e serviços básicos mais baratos, o que impacta diretamente no orçamento doméstico, trânsito mais tranquilo, boa rede de estradas ligadas aos grandes centros, hospitais públicos e lazer. Trata-se de uma adaptação estratégica dos brasileiros às condições dos locais que escolheram para viver, trabalhar e estudar.
Rumo ao Norte
A dona da empresa Vou mudar para Portugal conta que a mudança de rota dos brasileiros em direção ao interior português foi se dando aos poucos. No primeiro momento, o fluxo migratório iniciado em 2017 teve como destino as maiores cidades. Depois, à medida que os preços de compra e de aluguel de imóveis foram aumentando, começou a haver um espalhamento para o Centro do país e para o Norte.
Patrícia diz que o conceito de cidade do interior para os brasileiros é diferente do que prevalece entre os portugueses. Os brasileiros entendem que morar a poucos quilômetros das capitais já pode ser considerado interior, já os lusitanos atribuem a vida interiorana aos que habitam a parte central do país, em pequenos vilarejos. “Você morar em Póvoa do Varzim, significa estar a 32 min (34,9 km) do Porto. Para brasileiros, isso não é nada, mas é interior”, explica.
Trabalho realizado por Bianca Lyrio, doutoranda em estudos urbanos na Universidade de Lisboa, aponta que há uma onda diferente de imigração verde e amarela para Portugal. Os novos imigrantes são estudantes, empresários, mulheres chefes de famílias e aposentados. Com grau de instrução mais elevado e maior renda, eles trazem novas demandas por produtos e serviços e veem nas cidades menores uma forma de conciliarem tudo o que desejam.
Para esses brasileiros, em maioria, Lisboa, Porto e mesmo Cascais já não se encaixam no propósito de mudança de vida em outro país. “Os preços dos imóveis nessas regiões subiram, em média, 250% desde 2017”, comenta Patrícia. Essa alta expressiva impactou até mesmo o apetite de investidores, pois, quanto mais caro se paga por um imóvel, mais alto será o valor do aluguel. É a velha lei da oferta e da procura.
A empresária faz uma comparação: um brasileiro de alto poder aquisitivo viu uma casa em Cascais com 200 metros quadrados de área construída por cerca de 700 mil euros (R$ 4 milhões). Era uma casa mais antiga, longe do mar e sem quintal. Ele foi apresentado a um imóvel moderno, muito maior e com quintal em uma cidade do Norte do país por 650 mil euros (R$ 3,7 milhões). Ficou com essa.
“Os brasileiros descobriram a região Norte de Portugal. Lá, estão dando aos estrangeiros 90% de financiamento do valor dos imóveis e pedindo apenas 10% de entrada. É uma questão de perder o medo do frio do inverno, até porque as casas são termicamente preparadas para o clima mais frio”, afirma Patrícia.
Segurança e bem-estar
Luciana Rabelo, 47 anos, e o marido, Sandro Oliveira, 50, tinham uma vida estruturada em Resende, pequena cidade fluminense do Vale do Paraíba, entre Rio de Janeiro e São Paulo. Ela era funcionária pública municipal, mas também atuava no ramo da estética, e ele, empregado no setor de seguros. Em 2019, o casal fez uma viagem de férias à Europa, momento considerado por eles como transformador.
“Descobrimos, ali, que podíamos mudar de país, mudar de vida e viver em um local em que teríamos tudo ao nosso alcance, com segurança, e dentro das nossas possibilidades financeiras”, diz Luciana. De volta ao Brasil, ao casal amadureceu a ideia, ponderou todos os riscos, mas acabou batendo o martelo somente no ano passado. A cidade escolhida pelos dois foi Bragança, Norte de Portugal, quase na divisa com a Espanha.
Já com a vida assentada no novo país, Luciana decidiu levar adiante a profissão de cabeleireira, atividade que já desempenhava em Resende. “Quando passamos de férias por Portugal, fiz o cabelo de uma amiga, e uma cabeleireira me perguntou se eu queria ficar no país e trabalhar com ela. Na época, não aceitei, mas aquilo mexeu comigo. Agora, já na nova vida, é o que estou fazendo com muito gosto”, frisa.
Antes mesmo de cruzar o Atlântico, a brasileira passou a pesquisar cursos de estética e cosmética em Portugal. As opções incluíam instituições em Lisboa, Leiria e Bragança. “Nessas pesquisas, descobri o quanto Lisboa é uma cidade cara. Em Bragança, o curso que eu queria custava 144 euros (R$ 864) por mês, na capital portuguesa, o valor era de 400 euros (R$ 2.400) mensais”, ressalta.
Não foi só. O aluguel do apartamento de três quartos em que o casal vive em Bragança custa 425 euros (R$ 2,4 mil), ante os 2 mil euros (R$ 11.200) cobrados, em média, em Lisboa, por um imóvel com as mesmas características. “Bragança é extremamente acolhedora e tem uma estrutura muito interessante para uma cidade de 36 mil habitantes”, afirma. A tranquilidade e a proximidade com a natureza proporcionam um ambiente ideal para viver e trabalhar, considera.
Luciana está cursando estética e cosmética. “O curso tem duração de dois anos e inclui disciplinas como formulação de produtos cosméticos, tratamentos estéticos e pós-cirúrgicos”, explica. O mercado de trabalho na área da beleza em Portugal, segundo ela, é promissor e valoriza os profissionais brasileiros.
“A área da beleza no Brasil está muito avançada, e nosso trabalho é muito bem reconhecido”, assinala a brasileira, que trabalha em um salão na cidade, cuja clientela inclui, além de portugueses, imigrantes espanhóis, franceses, italianos e tunisianos.
A meta de Luciana, na pequena Bragança, é abrir a própria clínica de estética após concluir o curso no qual está matriculada. “Quero voltar a trabalhar para mim, como fazia no Brasil. Financeiramente, é muito melhor do que trabalhar para outra pessoa”, diz. Ela e o marido desejam usufruir do melhor das experiências lusitanas.