A Cinemateca regressa das férias com Terence Davies e Monique Rutler

Um dos mais secretos autores britânicos e uma figura importante do cinema português pós-Abril marcam os dois ciclos-chave da programação de Setembro da instituição.

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Terence Davies em 2008, no Festival de Toronto Lucas Oleniuk/Getty Images
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Num "regresso em força" para o mês da rentrée, a Cinemateca Portuguesa propõe dois ciclos imperdíveis sobre cineastas insuficientemente reconhecidos: o britânico Terence Davies e a franco-portuguesa Monique Rutler, alvo de retrospectivas que se vêm juntar a ciclos sobre Raul Ruiz, William E. Jones e John Ford.

A retrospectiva integral de Terence Davies (1945-2023), que terá início logo a 2 de Setembro, fora pensada pela Cinemateca ainda em vida do realizador, que faleceu de cancro há um ano. Cineasta singular mesmo no contexto do cinema de autor britânico, trabalhado permanentemente pela memória e pelo trauma, mas senhor de uma obra lírica, de um romantismo simultaneamente operário e rude que só seria possível no Reino Unido, Davies foi revelado mundialmente pela primeira das suas nove longas-metragens de ficção: Vozes Distantes, Vidas Suspensas (1988), Leopardo de Ouro em Locarno, obra abertamente autobiográfica inspirada nas suas memórias de infância.

Ao longo de uma carreira demasiado rara, Davies deu papéis memoráveis a Gena Rowlands (A Bíblia de Neon), Gillian Anderson (A Casa da Felicidade, adaptando Edith Wharton), Rachel Weisz (O Profundo Mar Azul) e Cynthia Nixon (como a poetisa Emily Dickinson em A Quiet Passion). As últimas três longas do cineasta de Liverpool ficaram por estrear em sala em Portugal — Sunset Song (2015), baseado no romance de Lewis Gibbon, A Quiet Passion (2016), e Benediction (2021), biografia do poeta Siegfried Sassoon , sendo esta uma ocasião raríssima de as podermos ver no grande ecrã.

O outro nome em destaque na programação de Setembro será Monique Rutler, que, apesar de ter nascido em França, fez a sua vida e carreira em Portugal, dentro do cinema português: como montadora para Manoel de Oliveira, José Fonseca e Costa ou Fernando Matos Silva, mas também como realizadora de três longas-metragens e como integrante dos colectivos cinematográficos militantes Cinequipa e Cinequanon. Deve-se-lhe a montagem final de um dos documentários seminais de Abril, As Armas e o Povo, bem como a realização de O Aborto Não É Um Crime (1976), filme feito para a televisão que valeu um processo à Cinequipa e à jornalista Maria Antónia Palla, devido às suas imagens explícitas de uma interrupção de gravidez, e um debate intenso na sociedade civil em volta da despenalização do aborto.

Será a primeira exibição de O Aborto Não É Um Crime na sua versão para cinema, concluída no ano seguinte à exibição televisiva e com um final diferente; e será também a primeira vez que o filme, então assinado colectivamente pela Cinequipa, é oficialmente atribuído a Monique Rutler. O programa da retrospectiva, que terá início a 16 de Setembro, conta com a exibição das suas três longas, que prolongaram na ficção o seu interesse pelos temas sociais: Velhos São os Trapos (1980), Jogo de Mão (1983, estreado no Festival de Veneza) e Solo de Violino (1990), este último uma primeira versão da história de Maria Adelaide Coelho da Cunha a que Mário Barroso regressou recentemente no filme Ordem Moral.

No dia 20, haverá uma conversa sobre a obra de Monique Rutler animada pelo programador Ricardo Vieira Lisboa com a presença das investigadoras Ana Isabel Soares e Mariana Liz. O ciclo inclui ainda uma carta-branca para a qual a cineasta escolheu apenas filmes de mulheres realizadoras — Agnès Varda, Marguerite Duras, Liliana Cavani, Vera Chytilova ou Susan Seidelman fazem parte da selecção.

A programação de Setembro da Cinemateca completa-se com a retrospectiva do cineasta experimental americano William E. Jones, integrada no festival Queer Lisboa, e a continuação da retrospectiva dedicada ao chileno Raul Ruiz, que se prolongará até Outubro. No final de Setembro, o crítico e investigador Tag Gallagher estará na Cinemateca para apresentar um ciclo de conferências sobre John Ford, um dos nomes míticos do cinema de Hollywood, a quem Gallagher dedicou um dos textos seminais da literatura sobre cinema, Ford: The Man and His Films. Integrada no programa recorrente Histórias do Cinema, a semana de conferências terá lugar entre 23 e 27 de Setembro.

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