Neguinho da Beija-Flor: “O Porto é mais acolhedor, mais aberto, lembra o clima do Rio”

Um dos mais célebres interpretes do carnaval do Rio de Janeiro muda-se para Portugal e promete agitar noites e carnaval do país, com uma escola de samba e espaço privilegiado para mulheres sambistas.

Foto
O cantor quer aproveitar o melhor de dois mundos, Brasil e Portugal Arquivo pessoal
Ouça este artigo
00:00
07:43

O famoso grito de guerra que por mais de 40 anos ecoa na Marquês de Sapucaí — “Olha a Beija-Flor aí gente, chora cavaco” — se prepara para também ecoar do outro lado do Atlântico, mais precisamente no Porto, ao Norte de Portugal. Neguinho da Beija-Flor, um dos maiores intérpretes de samba-enredo da história do carnaval brasileiro, está dando a largada para criar uma coirmã em terras portuguesas, mas com puro DNA carioca.

Em entrevista ao PÚBLICO Brasil, o sambista conta os planos de criar um polo de carnaval no Porto, para onde ele e a família se mudaram neste ano. Neguinho detalha os motivos que o levaram a escolher Portugal como sua nova casa, fala sobre a conexão especial que sente com o Porto e explica como ele pretende continuar difundindo e celebrando a cultura brasileira em terras lusitanas.

O artista revela, ainda, os planos de abrir o Botequim do Neguinho da Beija-Flor na cidade portuguesa, um espaço dedicado ao samba e à cultura do Rio de Janeiro. E ressalta o desejo de contribuir para o crescimento e a troca cultural entre o Brasil e o país europeu. “Quero criar um ponto de encontro para os amantes do samba em Portugal”, afirma.

Com sua inconfundível alegria e paixão pelo samba, Neguinho também aborda a sua visão sobre o futuro do carnaval no Brasil, as inovações trazidas pelo novo presidente da Liga das Escolas de Samba (Liesa), Gabriel David, e as mudanças no andamento do samba. E destaca a importância de dar voz e espaço às mulheres sambistas em seus projetos. “No Botequim do Neguinho, todos terão voz e vez”, assegura.

O que levou um ícone da cultura brasileira a se mudar para Portugal?
Portugal é um país que sempre me atraiu muito. Além de ser muito bonito e receptivo, tem uma ligação forte com a nossa cultura. A Elaine Reis, minha esposa, é neta de portugueses e está agilizando a nacionalidade dela. Portugal recebe muito bem, e a língua portuguesa, que é a nossa língua, facilita muito a adaptação. Além disso, Elaine sempre teve esse sonho de se reconectar com suas raízes. Então, quando surgiu a oportunidade, nós decidimos nos mudar. A cultura portuguesa tem muitos pontos em comum com a brasileira, o que torna tudo mais familiar.

E por que o Porto e não Lisboa?
O Porto, para mim, tem uma conexão maior com o Rio de Janeiro. A cidade é mais acolhedora, mais aberta, lembra bastante o clima do Rio. Lisboa é uma cidade maravilhosa, mas é mais parecida com São Paulo, mais movimentada. O Porto tem essa coisa mais tranquila, mais próxima do espírito carioca, o que torna a adaptação mais fácil. Eu sempre gostei dessa sensação de estar perto do mar, com aquele toque de cidade pequena, mesmo sendo uma cidade grande.

O verão carioca vai lhe perder? O carnaval vai lhe perder? Qual é o seu planejamento?
Eu não vou abandonar o Brasil, claro. O carnaval é uma parte fundamental da minha vida e da minha carreira. Vou continuar participando dos ensaios e dos desfiles, não tem como deixar isso de lado. A Elaine e nossa filha vão ficar em Portugal, principalmente porque nossa filha vai fazer faculdade. Vou ficar indo e vindo. Vou atrás do sol, literalmente. Quero aproveitar o melhor dos dois mundos.

O que sua filha vai estudar?
Ela quer fazer medicina, com foco em estética. Portugal tem ótimas faculdades nessa área, e nós achamos que seria uma boa oportunidade para ela. A Elaine também está se estabelecendo no país, então, faz sentido para a família toda. Estamos todos muito animados com essa nova fase.

A cultura portuguesa é a base da cultura brasileira, mas não é igual. Os portugueses consomem muita música brasileira. Como pretende trabalhar isso em Portugal? Vai fazer shows? Qual é o seu plano?
Portugal tem um mercado gigantesco para a música brasileira. A Europa, em geral, gosta muito de samba e do nosso estilo musical. Estou trabalhando com meu sócio, o Garcia, um brasileiro que mora no Porto. Estamos procurando um local para abrir o Botequim do Neguinho da Beija-Flor. A ideia é ter um espaço dedicado à cultura carioca, com muito samba, principalmente o samba de carnaval.

Vai trazer o Rio de Janeiro para o Porto?
Exatamente, essa é a ideia. Criar um espaço onde possamos celebrar a cultura carioca, o samba de raiz, o samba de carnaval. Quero trazer os intérpretes das escolas de samba, passistas, ritmistas e realmente investir na cultura carioca aqui. Estamos procurando um local adequado e pretendemos abrir ainda este ano, se tudo der certo. Quero criar um ponto de encontro para os amantes do samba em Portugal.

Portugal também tem carnaval, como os desfiles de Sesimbra. Pretende participar desses eventos?
Com certeza. Observei que o carnaval de Sesimbra é parecido com o nosso, claro que com algumas diferenças. Mas eles têm um desfile de escola de samba, que é bastante interessante. Minha ideia é trazer um pouco da nossa expertise para cá, ajudar na formação de mão de obra, baterias, puxadores, aderecistas. Quero contribuir para que o carnaval aqui cresça ainda mais e que possamos ter essa troca cultural entre Brasil e Portugal.

Então, está planejando empreender em Portugal, que começa com o Botequim do Neguinho?
Sim. O Botequim do Neguinho vai ser um ponto de partida. Depois, a ideia é fundar a escola de samba Beija-Flor do Porto. Quero criar um espaço onde possamos celebrar a cultura carioca, o samba, e oferecer um pouco da nossa tradição para os portugueses.

Falando sobre o carnaval no Brasil, como vê a nova fase com Gabriel David à frente da Liga das Escolas de Samba (Liesa)?
O Gabriel David trouxe muitas inovações para o carnaval. A ideia de mais um dia de desfile (agora, serão três) e mais tempo para cada escola é excelente. Concordo plenamente com essas mudanças. Na minha opinião, o maior espetáculo audiovisual do planeta merece ser ainda mais grandioso. Se fosse por mim, eu aumentaria o número de escolas e daria mais espaço para cada uma. A tradição do carnaval não pode ser esquecida, mas também precisamos nos adaptar aos novos tempos.

E sobre o andamento dos sambas? Não está muito acelerado? Como vê isso?
Realmente, o samba tem acelerado bastante nos últimos anos. Isso é consequência do tempo reduzido para o desfile. Antes, desfilávamos por três, quatro horas. Hoje, o tempo é de apenas 1 hora e 20 minutos. Com as mudanças, acredito que podemos desacelerar um pouco e voltar a um andamento mais tranquilo, que permita ao público e aos sambistas aproveitarem mais. O samba é sobre ritmo, mas também sobre celebração e alegria.

A Beija-Flor está em busca de uma nova identidade desde o enredo "Monstro". O que espera para o futuro da escola?
A Beija-Flor sempre foi uma escola grandiosa, e queremos manter essa tradição. Com o enredo do Laíla, esperamos resgatar a comunidade, trazer mais a negritude para o desfile. Queremos voltar a ser uma escola temida, com desfiles impactantes e que emocionem. A tradição é fundamental, mas também queremos inovar e surpreender. O futuro da Beija-Flor é continuar sendo essa potência no carnaval, sempre buscando novas formas de encantar o público.

O senhor pretende trazer mulheres sambistas para o seu projeto em Portugal? Muitas vezes, as mulheres não têm tanto destaque quanto os homens.
Com certeza. A minha proposta é incluir todos os talentos do samba, independentemente de gênero. Quero trazer sambistas femininas como a Karina, que foi revelada na Imperatriz Leopoldinense, entre outras. As mulheres têm uma participação fundamental no samba e quero garantir que elas tenham o espaço e o reconhecimento que merecem. No Botequim do Neguinho, todos terão voz e vez. Estamos muito animados com essa nova fase e espero que todos possam desfrutar tanto quanto nós.

Os artigos escritos pela equipa do PÚBLICO Brasil são escritos na variante da língua portuguesa usada no Brasil

Sugerir correcção
Comentar