Deadpool e Wolverine: quando a paródia se torna paródia de si mesma

“Ele está atrás de mim não está?”: há muito tempo que não assistia a um filme tão alérgico à ideia de perdurar na memória para além da sua duração.

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Há algo de perturbador em ver heróis amados transformarem-se em sombras de si mesmos, manipulados pelas cordas invisíveis dos estúdios de cinema. O filme Deadpool e Wolverine é um exemplo gritante disto. O anti-herói que começou como uma aposta incerta, nascida das limitações de orçamento e desconfiança do estúdio, agora está na mesma liga dos grandes X-Men. No entanto, ao conquistar este estatuto sacrificou-se a profundidade narrativa e o desenvolvimento das personagens no altar do blockbuster.

Deadpool, originalmente concebido para servir de escape para o humor irreverente e crítica ácida ao género dos super-heróis, tornou-se um fantoche da sua própria caricatura. Em vez de subverter as expectativas e oferecer uma crítica à indústria, contenta-se com a repetição de piadas fáceis e autorreferenciais. A promessa de um filme que pudesse ir além do mero entretenimento foi traída por uma fórmula desgastada e uma vontade incessante de agradar. As personagens que construíram este universo, como Cable, Colossus, Dopinder, Russel e Vanessa, são relegadas ao papel de meros figurantes ou desaparecem completamente, tirando ao filme qualquer substância emocional ou narrativa.

Não me interpretem mal, adoro uma boa comédia. Onde estaríamos sem a genialidade de Tex Avery ou do Buster Keaton? Mas este filme não sabe diferenciar uma piada engraçada de um monte de palavras populares ("Let that man cook", traduzido para "deixem-no cozinhar") e longas cenas dedicadas à arte "sagrada" da faux satire. Uma receita para o tédio, com uma pitada de preservação do status quo, só para nos deixar enjoados.

O auge do vazio criativo chega com Wolverine, uma personagem que, durante décadas, lutou contra sua natureza brutal e manipulações alheias. A icónica frase de Logan, "Don't be what they made you", quando aconselha Laura a não se tornar uma ferramenta dos que a criaram, é agora uma ironia cruel. A Disney reduziu Wolverine a uma marioneta sem profundidade, uma versão mais zangada do que já vimos, mas sem qualquer desenvolvimento significativo. O "pior Wolverine" de sempre não é uma alteração drástica ou um personagem radicalmente diferente, é simplesmente uma versão ligeiramente mais irritada do Wolverine que já conhecemos, servindo apenas ao entretenimento superficial da Hollywood actual.

Não é só este filme que está no olho do furacão. O mercado de blockbusters tornou-se num terreno pejado de falta de criatividade, com uma aversão ao risco tão grande que até apostar numa história original é visto como coisa de outro mundo. O resultado? Uma enxurrada de filmes que reciclam fórmulas; uma obsessão por lucros tão feroz que qualquer inovação é descartada.

Isso leva-nos àquela sabedoria que Syndrome d'Os Incríveis nos deu de bandeja: "Quando todos forem super, ninguém será". Ou seja, com tanta tentativa de criar o próximo grande evento, nada se destaca. O cinema torna-se numa rave interminável de luzes e sons, sem nenhum significado duradouro. Saímos do cinema e perguntamo-nos se vimos um filme ou só uma grande explosão de fogo-de-artifício.

Deadpool e Wolverine podia ter sido uma oportunidade para quebrar estas amarras, para usar o humor e a acção de uma forma que questionasse os limites do género e do próprio mercado do cinema. Mas em vez disso, optou-se por uma abordagem segura e previsível, que se limita a ser uma colecção de cenas desconexas e sem propósito, pontuada por cameos gratuitos e referências nostálgicas que não formam uma narrativa decente — um espectáculo vazio e sem alma.

Hollywood, na sua busca incessante por franquias rentáveis, parece ter-se esquecido que o cinema é, acima de tudo, uma forma de arte. Uma arte que deve desafiar, inspirar e fazer pensar. No caso de Deadpool e Wolverine, ficamos apenas com a sensação amarga de que, para obter o que pedimos — um lugar no panteão dos grandes heróis —, sacrificamos o que realmente importava: a essência e a complexidade das personagens que tanto amamos.

A lição, então, talvez seja esta: não se deixem transformar no que eles querem que vocês sejam. Mesmo que o preço seja alto, vale a pena lutar para manter a integridade e a profundidade, tanto na vida quanto na arte.

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