Ó mar alto, ó mar alto,
Ó mar alto sem ter fundo,
mais vale andar no mar alto
que andar nas bocas do mundo.

A minha mãe diz estes versos todos os dias frente ao nosso mar. Chegamos à capela, encostamo-nos ao muro, ali está a beleza visceral daquele "marão" (como ela lhe chama) e a quadra sai, certa como uma boa nortada. O nosso marão é o da Zambujeira do Mar, mas é o mesmo marão de todas as odisseias das nossas vidas, que a minha mãe evoca usando versos que, em diferentes variações, se ouvem até em modas do cante alentejano - como, por coincidência, aqui, pelo grupo A Moda Mãe. Ora coincidências há muitas: eu, por exemplo, fui apanhado a escrever sobre sete praias para partilhar com os amigos nos dias em que a praia-mor da minha vida, a Zambujeira do Mar, foi interditada. A Zambujeira não integra a lista, mas é dela que vos escrevo, e é ela o portal da minhas idas e voltas às praias de que vos falo.

E quando o nosso marão está interditado, uma pessoa não pode ignorar. Esta praia da Zambujeira dá azo a tantas loas, tantos instagrams, tantos postais de maravilhas, mas nem tudo são maravilhas pelas costas, é bom que o visitante venha com expectativas de paraíso, mas também com banhos de realidade.

 
           
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Aconteceu que três dias depois do fim do Festival Sudoeste, esse clássico que traz milhares e milhares há 26 anos à zona, como aliás tem acontecido noutros anos, a ETAR deu problemas. Não é a primeira vez, aconteceu mais ou menos pela mesma altura noutros anos. Sem coincidências, a autarquia apresentou justificações e promessas. Seja como for, o certo é que a praia ficou fechada a banhos por três dias: a 13, a 14 e a 15 de Agosto. Uma dor de alma para visitantes, residentes e comerciantes (o impacto económico para quem tem aqui negócios é avultado, naturalmente). E uma dor de alma para todos os que defendem o ambiente. Levantada a interdição, prometem-se investigações, mas pela terra sente-se a revolta por esta repetição anual de um problema com muita promessa, mas que continua por solucionar. É que, caro leitor, não é só o dinheiro nem o aproveitar da época alta da qual dependem tantas famílias. A nossa casa, especialmente aqui, não são só paredes, é toda a aldeia, é toda a natureza que a circunda. E, por aqui, qualquer ataque a essa natureza gera uma revolta, civilizada, mas uma revolta. Lá está, entre receios das estufas e raivas com o lixo pela natureza, nem tudo são maravilhas por estas costas, no caso específico, as costas alentejana e a algarvia vicentina.

Mas, na Fugas, é pelo lado mais maravilhoso que vamos. Ainda por cima, com o coração cheio de amigos. Como bom anfitriao, abro as portas a sete praias da minha casa - já sei que muitos leitores vão zangar-se por revelar um ou outro "segredo" (embora tenha de lembrar que já não há praias secretas, como avisa o dr. Google, a não ser que exijam alpinismos e sacrifícios…). A fixar:, desta vez (já houve outras...): Samoqueira, Salto, Brejo Largo, Almograve, Carriagem, Vale dos Homens, Barragem de Santa Clara. 

Também abro a porta a momentos íntimos com os meus amigos (atenção aos areões e ao tractor do Sr. Bento!), espero ter conseguido um equilíbrio entre a informação e o meu natural deslumbramento tanto pela natureza e esta costa de prodígios, como pelos meus amigos e os meus amores. Mas, nesta carta aberta, queria aproveitar para fazer um pedido paralelo, ainda ressentido com o encerramento e perigar da qualidade ambiental da praia da minha aldeia. 

Eu abro às bocas do mundo estas minhas praias com o coração nas mãos, é verdade, porque, se por um lado, fui ensinado a receber bem quem vier por bem (é também um azulejo da minha mãe), por outro, peço a todos os que aproveitarem as dicas da Fugas desta semana que cheguem com respeito, cuidado e sabedoria à nossa casa, às nossas costas. Isto não é um parque temático, é a nossa vida. E há obrigações para quem vem desfrutar a brutal beleza da nossa natureza, e do que a rodeia:

  1. os residentes merecem o máximo respeito, são eles, ou pelo menos os melhores deles, os guardiães deste tesouro

  2. os carros são para deixar no seu lugar, não são para destruir nada pelo caminho; assim como as caminhadas devem ser preferencialmente pelos percursos pré-definidos, o corta-mato faz perigar a frágil flora (todas as praias da lista são interligadas pela Rota Vicentina)

  3. os caminhos, a costa, as praias não devem receber mais lixo do que aquele que já recebem do mar (muito)

Permita-me, por especial interesse próprio e por ser uma pessoa que faz muitas caminhadas e praias a apanhar lixo, acrescentar uma alínea ao ponto 3: a) Além de trazer da praia todo o seu lixo, além de não deixar nenhum lixo na natureza, experimente apanhar algum do que lhe aparecer pela frente. Pode até ser só uma lata ou um saco, que já ajuda. Mas melhor ainda é encher um saquinho, por isso merecerá a nossa gratidão eterna, que já bem nos basta as preocupações com ETARs, estufas, parque natural, erosões e etc, etc. Talvez até ganhe a nossa amizade, talvez um dia possamos até ir à praia juntos, há sempre espaço para mais um amigo nas nossas praias; afinal, esta é uma região de gente muito hospitaleira, ainda e apesar de tudo.

Acredite que, depois de um dia de praia com os amigos, se sentir o ego reforçado por ter ajudado a limpar um centímetro quadrado da costa, vai apreciar muito mais uma mariscada, o peixe fresco, o riso e a alegria pós-praia num dos muitos e bons restaurantes locais (andam a ficar caros, admito, as minhas desculpas). Talvez tenha a sorte, como aconteceu há dias a alguns visitantes no Cavaleiro, de lhe aparecer o meu grupo de amigos à frente, onde pontua um mestre do cante alentejano, o Tiago, e assim ganhar, em agradecimento pelo seu vir por bem, um concerto de hinos do nosso Alentejo. Por acaso, ainda não cantamos os versos da minha mãe, mas há-de acontecer um dia destes.

Talvez hoje, que convidei para uma festa dos meus amigos o Martin, jovem alemão que conheci numa caminhada por mero acaso, ambos com rumo ao derradeiro paraíso da lista de praias desta semana, o Brejo Largo, um monumento natural que, como toda a delicada região, merece idas com todo o respeito e preservação. O Martin anda, solitário, em caminhada lenta pela costa e sorriu quando lhe falei da dita festa. A um caminhante, como a nós todos, a solidão pode saber bem, mas de vez em quando é preciso alguma converseta, para mais com alentejanos e num cenário real, sem nada de cenário para turismo de consumo rápido. Não sabemos se o Martin será um novo amigo, ou apenas um conhecido (esperemos) simpático. De qualquer modo, daqui a bocadinho vai ter connosco à praia. E a praia com amigos é aquele Verão azul eterno, não é? Só espero que ele goste de conversar sobre proteger a costa e, claro, de apanhar lixo.