Com a falta de médicos nos serviços de urgência, com as greves, com as listas de espera, é da opinião dos últimos Governos que se deve aumentar o número de estudantes de medicina no país. Como tal, parte da população portuguesa acredita que esta é uma solução viável à problemática. Mas, como estudante de medicina, acho que isto esconde os reais problemas que os futuros estudantes terão de enfrentar para se posicionarem como médicos em Portugal.
Em primeiro lugar, o aumento do número de faculdades de medicina e de vagas de acesso ao ensino superior em Medicina não aumentará necessariamente o número de vagas de especialidade procuradas pelos estudantes. O quadro de oferta-procura à especialidade em Portugal muda bastante de ano para ano.
Por exemplo, em 2022, havia apenas 2044 vagas de especialidade para os 2345 estudantes formados que pretendiam uma colocação. A abertura de vagas de especialidade depende da capacidade formativa das instituições de saúde. Logo aqui, compreendemos a problemática de que mais estudantes não implica a existência de um número de vagas suficientes para os acolher.
Por outro lado, o panorama de 2023 já foi um aumento do número de vagas, sendo este superior ao número de candidatos. Contudo, acabaram por sobrar 574 lugares: de entre estas, 167 de Medicina Interna e 262 de Medicina Geral e Familiar. É de notar que, infelizmente, muitos estudantes não visualizam o seu futuro na área de Medicina Interna ou Medicina Geral e Familiar, muito devido à desvalorização destas especialidades no serviço público em Portugal, quer em termos de condições de trabalho, condições de vida ou até salarial. Com isto, muitos idealizam a emigração ou acabam por repetir a Prova Nacional de Acesso à Especialidade, de modo a conseguirem melhor pontuação e maior oportunidade de escolha.
Nos anos anteriores, este panorama de oferta-procura permaneceu flutuante.
Aqui presenciamos uma instabilidade de acesso à Medicina em Portugal, que poderá não garantir a permanência dos nossos futuros médicos no país, dependendo tanto da quantidade como da qualidade das vagas de especialidade existentes.
Em segundo lugar, o aumento de faculdades de Medicina em Portugal, nomeadamente a abertura de uma faculdade na Universidade de Aveiro (notícia recente), não é uma solução única ou viável ao problema.
Durante a formação dos estudantes de medicina, estes devem realizar estágios clínicos e ser acompanhados por médicos das instituições de saúde nacionais, para os guiarem na sua aprendizagem. A quantidade de alunos por médico, na área geográfica referida, já é superior ao esperado. Aumentar o número de estudantes a estes médicos não trará melhores profissionais de saúde. Muito pelo contrário, estaríamos perante uma maior sobrecarga dos médicos-professores e uma diminuição da experiência dos nossos futuros profissionais. Estaríamos a contribuir para uma Medicina com prováveis erros médicos, devido à sua formação.
Em terceiro lugar, a abertura de faculdades privadas de medicina veio trazer desigualdade no acesso ao curso de Medicina, para além de não solucionar em nada o problema.
Em Portugal, vivenciamos dois sistemas de medicina: a pública, orientada pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS), e a privada. Quando se fala na falta de médicos, não é certamente no sistema privado que encontramos este cenário. A construção de uma medicina de “elite” trará mais procura pela medicina privada e de enriquecimento do que pela Medicina do serviço público. Tal resultará em médicos orientados para o privado ou para outros países, pela emigração. Será que isto resolve o problema da quantidade de médicos no SNS?
Atrever-me-ia, por fim, a dizer que não há falta de médicos, há sim falta de condições para os médicos em Portugal e de uma melhor gestão no SNS.
Neste texto, deixo questões em aberto, sendo este um artigo de opinião. Contudo, perante o apresentado, questiono o leitor onde estará, então, a solução: se no foco de abertura de novas faculdades, ou na melhoria de condições de acesso à Medicina em Portugal, que virá da consequente melhoria na qualidade de vida dos médicos no SNS.