Experiência pioneira com sensores está a medir qualidade da água em duas praias portuguesas

Projecto europeu em que ICBAS é parceiro analisou água dos afluentes do rio Sena durante os Jogos Olímpicos. Principal objectivo da tecnologia é fazer previsão da qualidade microbiológica das águas.

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Sistema de sensores colocado na praia de Zebreiros, no rio Douro Adriano Bordalo e Sá
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Há dois sistemas de sensores experimentais que estão a avaliar a qualidade da água de duas praias portuguesas a nível microbiológico, num projecto internacional que também foi responsável por monitorizar afluentes do rio Sena durante os Jogos Olímpicos de Paris e do próprio Sena antes do início dos jogos.

A experiência, coordenada em Portugal pelo Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS) da Universidade do Porto, quer testar não só a capacidade de a tecnologia analisar com precisão a presença de bactérias Escherichia coli em tempo real, como também, a partir dessa informação, a capacidade da tecnologia de prever a evolução da presença destas bactérias nas horas seguintes, tal como se faz na meteorologia.

Comparado com as análises feitas em laboratório dos níveis de bactérias nas águas das praias, que dão resultados em 24 horas, este sistema tem o potencial de alterar a rapidez com que se obtém a informação da qualidade das águas balneares e o tipo de resposta que as autoridades podem dar no caso de haver um fenómeno de poluição.

Na sexta-feira última, um dos dois sistemas foi instalado na praia de Matosinhos, na zona costeira em Matosinhos, e nesta segunda-feira o segundo sistema foi instalado na praia de Zebreiros, uma praia estuarina do rio Douro, situada no município de Gondomar.

“Enquanto nas águas fluviais de Paris foram instalados sistemas iguais e o sistema foi validado para águas doces, aqui estamos a validar para águas estuarinas, salobras, [em Zebreiros], e para águas costeiras [em Matosinhos], em duas praias sujeitas a marés. É muito importante a influência da maré”, diz ao PÚBLICO Adriano Bordalo e Sá, hidrobiólogo e professor no ICBAS com uma experiência de décadas acerca da poluição microbiológica nos sistemas aquáticos.

O investigador é um dos responsáveis pelo projecto Forbath Forecasting the microbial water quality in urban inland and coastal bathing waters (algo como “previsão da qualidade microbiana das águas balneares costeiras e águas balneares interiores em zonas urbanas”), que recebeu dois milhões de euros do programa Eureka-Eurostars da União Europeia, que apoia projectos que incluem pequenas e médias empresas para o desenvolvimento de novos produtos. Além do ICBAS, fazem parte do projecto a empresa francesa NKE – Marine Electronics, que desenvolveu o sistema de sensores, a empresa alemã Hydro & Meteo, que desenvolveu o software meteorológico para a previsão, a Universidade de Paris-Este Créteil e a Escola Nacional de Pontes e Estradas do Instituto Politécnico de Paris.

A poluição microbiológica das praias é um problema de saúde pública, já que pode causar doenças nas pessoas que visitam e tomam banho em águas poluídas. De acordo com as directivas da União Europeia, é necessário fazer análises regulares às praias para testar a presença da bactéria Escherichia coli e dos enterococos, cujo sinal em níveis altos indica presença de matéria fecal humana e/ou animal, como aconteceu recentemente na praia de Matosinhos, e que levou à sua interdição na semana passada.

A Agência Portuguesa do Ambiente (APA) é a responsável por fazer aquelas análises, mas a frequência das análises depende muito das praias, sendo que o número mínimo obrigatório são quatro análises por época balnear. No entanto, a concentração de bactérias pode variar ao longo de um mesmo dia.

“Em certas situações, verificamos que na maré baixa, às 9 horas, a qualidade da água é péssima. Às 12 horas a qualidade não é boa, mas melhorou, e da parte da tarde a qualidade da água é excelente”, explica Adriano Bordalo e Sá. “Isto tem que ver com as marés, que variam de dia para dia. As colheitas de água oficiais são feitas com base num calendário que não tem em conta as marés.”

Tendo em conta essa variação, o novo projecto nasce “da necessidade a nível europeu e mundial de desenvolvermos métodos da avaliação microbiológica da água a tempo real”, refere o investigador. A diferença específica deste novo projecto centra-se na previsão. “Já existem outros sensores, mas não nos chega só saber a qualidade microbiológica, estamos a fazer a previsão”, adianta.

O tempo mínimo de previsão deste sistema poderá ser de 15 minutos. “Da mesma maneira que gostamos de saber a previsão da chuva, para nos precavermos, com uma previsão de um intervalo tão curto o público pode ser informado se vale a pena arrumar a trouxa e ir à praia tomar banho.”

Ajuda da inteligência artificial

Os dois sistemas de sensores não vão medir directamente a presença de Escherichia coli, vão antes medir o triptofano, um aminoácido que alerta para a presença da Escherichia coli. Quanto mais triptofano existe, maior a quantidade de bactérias que estão presentes. Além disso, o sistema de sensores vai medir a temperatura da água, a condutividade, o oxigénio dissolvido, o pH, a turvação, a clorofila, a matéria orgânica dissolvida e, na praia de Zebreiros, os nitratos.

É a partir daqueles dados, obtidos de dez em dez minutos, conjugados com a informação local da temperatura, da precipitação e do vento, disponibilizada pelo Instituto Português do Mar e da Atmosfera ao projecto, que vai ser feita a previsão da qualidade microbiológica através da inteligência artificial (IA). “A IA vai aprender a relacionar dados e ser capaz de adaptar [os cálculos] a situações em que há precipitação ou que não há precipitação, em relação à direcção do vento, que é específico para cada praia”, exemplifica Adriano Bordalo e Sá, dando alguns detalhes sobre o processo de “​machine learning”​ da IA.

Paralelamente com a informação que é obtida pelos sensores e a previsão gerada pela IA, estão a ser feitos testes laboratoriais nas duas praias para as variáveis medidas pelos sistemas de sensores. Os testes são realizados de meia em meia hora, ao longo de 13 horas, o que equivale a um ciclo das marés. Com isto, é possível confirmar se os dados obtidos pelos sensores são verdadeiros. Por exemplo, se a concentração de bactérias extrapolada a partir da medição do triptofano é realmente a concentração presente na água.

“Na terça-feira fizemos uma campanha de 13 horas de tirar amostras, estamos a ler os primeiros resultados e a ideia com que ficamos, pelo menos para a água estuarina, é que o sistema está a responder bem”, constata o investigador. Além disso, e tão ou mais importante, os testes laboratoriais vão permitir verificar se a previsão feita pela inteligência artificial coincide com o que acontece na realidade.

A experiência iniciada agora vai ser interrompida no fim desta época balnear e será retomada no início da de 2025, prosseguindo até completar uma época balnear inteira. Se tudo correr bem, se os testes laboratoriais feitos na praia confirmarem os dados do sistema e a previsão da IA, então a tecnologia fica validada para as águas estuarinas e para as águas marinhas.

Depois, espera-se que a tecnologia seja optimizada para poder ser comercializada. Adriano Bordalo e Sá está interessado na transferência do conhecimento produzido neste projecto para as entidades responsáveis por garantir a saúde pública nas praias, como os municípios e a APA. “Sendo as autoridades públicas as responsáveis de abrir ou fechar uma praia, penso que será do interesse delas ter os resultados científicos mais recentes”, diz o investigador, referindo ainda que este tipo de informação irá abrir a porta para muitas questões que poderão ajudar a “optimizar procedimentos de saúde para os banhistas”.