Calor extremo agrava situação humanitária em Gaza

Temperaturas extremas estão a agravar a situação de cerca de dois milhões de palestinianos, há meses a sobreviver à guerra, à fome e à doença.

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Um refugiado palestiniano numa cadeira de rodas. As temperaturas elevadas estão a castigar quem tenta sobreviver a meses de guerra, fome e doença Hatem Khaled / REUTERS
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Em Gaza, o céu está cheio de ameaças. Para além dos mísseis que se abatem sobre escolas e abrigos, os raios brutais do sol tornaram o Verão insuportável para aqueles que lutam para sobreviver numa paisagem devastada de ruínas e escombros.

Por vezes, Samaher al-Daour deseja ter sido morta nos primeiros dias da guerra entre Israel e o Hamas, em vez de ter de ver o seu filho, que perdeu uma perna durante o conflito, suportar o calor insuportável.

"A situação é horrível", disse Daour, de 42 anos, sentada ao lado do seu filho Haitham, de 20 anos, na sua tenda sufocante na cidade de Khan Younis, no sul do país, em Junho.

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"Durante o dia, é incrivelmente quente dentro e fora da tenda", disse numa entrevista telefónica. "Vamos para perto do mar, mas continua a ser muito difícil. "

Haitham perdeu a perna em Fevereiro durante um ataque aéreo israelita a uma escola gerida pela Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados Palestinianos (UNWRA) no campo de refugiados de Maghazi, no centro da Faixa de Gaza.

Agora, o calor sufocante nega-lhe o descanso necessário para recuperar as forças. Está sempre a suar e isso causa irritação na perna e fá-la inchar.

"Ele está a sofrer por causa disto", disse Daour.

Temperaturas superiores a 40ºC desde Abril

Após 10 meses de guerra, quase todos os 2,3 milhões de habitantes de Gaza estão deslocados. Vivem em tendas ou em abrigos sobrelotados, quase sem electricidade e com pouca água potável.

Famintos e fracos, não podem tomar banho e lutam para adormecer nos seus abrigos a ferver. Com o calor, a comida apodrece, atraindo insectos e moscas para os campos apinhados, onde as pessoas, que foram obrigadas a fugir vezes sem conta, correm agora o risco de sofrer de insolação e de outras doenças relacionadas com o calor.

Desde Abril, Gaza tem registado vários períodos de calor extremo, com temperaturas que atingiram cerca de 40 graus Celsius (104 graus Fahrenheit) durante esse mês. Durante o mês de Agosto, as temperaturas atingiram uma média de 34°C, segundo a empresa privada de meteorologia americana AccuWeather.

No final de Junho, a Organização Mundial de Saúde afirmou que o calor abrasador poderia agravar os problemas de saúde dos milhões de deslocados, alertando para a iminência de uma crise de saúde pública devido à falta de água potável, alimentos e material médico.

Trabalho dificultado na assistência humanitária

O calor também está a tornar as coisas mais difíceis para as agências de ajuda humanitária, já prejudicadas no seu trabalho pelos ataques aéreos, pelos combates e pelas infra-estruturas devastadas.

"Seria justo dizer que a maioria dos responsáveis pela resposta humanitária, incluindo os doadores... não consideraram realmente as ameaças do calor e do calor extremo", disse Paul Knox Clarke, director da ADAPT, uma iniciativa climática e humanitária.

Os "horrores" que as organizações humanitárias enfrentam nas crises, disse, ocupam muitas vezes demasiada largura de banda e impedem-nas de enfrentar desafios adicionais, como a adaptação aos efeitos das alterações climáticas durante as operações de socorro.

"Não é uma situação sem precedentes, mas não faz parte do manual normal", afirmou.

"Tem complicado tudo", disse Prabu Selvam, médico da agência de ajuda humanitária Americares, acrescentando que o transporte de medicamentos que precisam de ser mantidos frescos está a revelar-se particularmente difícil.

Camiões com ajuda ficam horas ao sol

Devido às restrições israelitas, os camiões de ajuda passam muitas vezes horas ao sol, à espera de autorização para seguir caminho.

"É claro que isso vai ter impacto nas comunidades, porque muitas vezes os medicamentos da cadeia de frio são os que mais precisam", disse Selvam.

Novo desafio para as agências humanitárias

Cerca de 40.000 pessoas foram mortas e cerca de 92.000 ficaram feridas desde que o exército israelita iniciou o seu ataque a Gaza, afirma o Ministério da Saúde palestiniano.

Israel lançou a sua ofensiva depois de combatentes do Hamas terem invadido o seu território a 7 de Outubro, matando cerca de 1.200 pessoas e fazendo cerca de 250 reféns, segundo dados israelitas.

A ofensiva destruiu casas, escolas e infra-estruturas vitais, como hospitais e clínicas.

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Israel restringiu severamente o fluxo de alimentos e de ajuda para a Faixa de Gaza e as agências humanitárias têm vindo a alertar para o risco de fome.

Agora, o calor extremo do Verão veio acrescentar mais uma camada ao sofrimento. Nos últimos anos, a região mediterrânica tem sido atingida por uma série de ondas de calor letais e os cientistas afirmam que as alterações climáticas estão a provocar estas perigosas ondas de calor.

A Save the Children já está a adaptar as suas operações em Gaza, disse Fadi Dweik, especialista em resiliência climática da instituição.

Normalmente, a agência concentra-se na prestação de serviços de saúde mental e apoio educacional como primeira resposta, disse Dweik à Fundação Thomson Reuters.

Mas agora, deu prioridade à prestação de serviços de água e saneamento e de apoio à nutrição e à saúde.

"O conflito fez-nos pensar em pormenores e aplicar alternativas em que não tínhamos pensado antes", disse Dweik. " Pela primeira vez, os factores ambientais são uma prioridade porque não os podemos ignorar, apesar da guerra e da destruição que existe. "

O calor também não é algo que Sabah Khames possa ignorar.

A senhora de 62 anos fugiu da sua casa em Rafah, perto da fronteira com o Egipto, em Maio, e vive agora numa tenda com outros 18 familiares.

"A tenda é uma caravana apertada, construída inteiramente em chapa de metal. É como uma sauna lá dentro", disse ela numa entrevista telefónica.

"Por vezes, mal consigo recuperar o fôlego."

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