Mais de quatro mil milhões de pessoas não têm acesso a água potável, diz estudo

Metade da população mundial, que vive em países de médio e baixo rendimento, não tinha acesso a água boa para consumo em 2020, o dobro do que se pensava. Contaminação fecal é o maior problema.

Foto
Um homem a tentar retirar água num poço quase seco no Senegal CHRISTOPHE VAN DER PERRE/REUTERS
Ouça este artigo
00:00
03:43

O número de pessoas sem acesso a água potável nos países de médio e de baixo rendimento poderá ser bastante maior do que aquilo que previamente se estimava. Um estudo publicado nesta quinta-feira na Science calcula que em 2020 existiam 4,4 mil milhões de pessoas, a maioria na Ásia e na África, sem acesso a água de qualidade, o dobro do valor estimado num estudo publicado em 2021 feito em conjunto pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef, em inglês).

Embora o Sul, o Leste e o Sudeste asiático contenham 2,5 das 4,4 mil milhões de pessoas naquela situação, é na África subsariana que a proporção da população sem acesso à água de qualidade é a mais problemática. “A África subsariana inclui a taxa nacional e regional mais baixas para o uso de serviços de água para beber geridos de uma forma segura (SABGFS)”, lê-se no artigo da Science assinado por Esther E. Greenwood, do Instituto Federal de Tecnologia da Suíça, em Zurique, e colegas. Há mais de 900 milhões de pessoas naquela situação. “Em 12 países subsarianos, menos de dez por cento da população usa os SABGFS e em 89 regiões de países essa população é menos de 5%.”

Ao todo, a análise abrange 135 países de médio e baixo rendimento, incluindo a América Central, a quase totalidade da América do Sul, da África e da Ásia, parte da Europa do Leste e parte da Oceânia. A análise feita pela equipa contou com modelação geoespacial a partir de observações da Terra, tanto de dados obtidos a partir de satélite, como de dados aéreos e terrestres, além de inquéritos feitos a agregados familiares. Foi esta intersecção entre modelação geoespacial e a informação vinda dos inquéritos que produziu os novos valores.

“Estimamos que apenas uma em três pessoas usaram SABGFS em países de médio e baixo rendimento em 2020 e identificámos a contaminação fecal como o factor primário de limitação que afecta quase metade da população [daqueles países]”, lê-se logo no resumo do artigo.

Segundo o artigo, houve quatro componentes importantes para a avaliação da qualidade de água usada pelas famílias: a água ser fornecida por um sistema hídrico que, pela sua construção e design, tem o potencial de levar água segura; a fonte de água estar conectada à casa de cada família; o facto de estar acessível quando é necessário; e estar livre de contaminação fecal e química.

Além da contaminação fecal, o estudo mostrou que a falta de ligação da água à casa das pessoas era a segunda causa para a falta de acesso a água de qualidade, afectando 650 milhões de pessoas. “O aumento de acesso a água de beber às casas ou quintais das famílias é chave para reduzir a pobreza e melhorar a saúde e a igualdade de género, já que reduz o tempo gasto pelas mulheres que vão buscar água a fontes distantes”, de acordo com o artigo.

As variáveis climáticas também são um problema no que toca à qualidade da água, pois são os factores que mais contribuem para a previsão de contaminação fecal. Temperaturas mais altas estão associadas a uma maior contaminação da Escherichia coli, a bactéria que foi tida em conta no estudo para avaliar a contaminação fecal. As alterações climáticas poderão, por isso, agravar este problema. “Os agentes patogénicos fecais são os maiores responsáveis por doenças que originam diarreias, uma das maiores causas de mortes de crianças com menos de cinco anos a nível global”, recorda o artigo.

Perante este cenário, o que fazer? “Os investimentos financeiros feitos no passado falharam em dar os resultados desejados, e as projecções futuras não são acessíveis para os países de médio e baixo rendimento”, escreve, por sua vez, Rob Hope, um perito nesta matéria da Universidade de Oxford, no Reino Unido, num artigo de perspectiva sobre o novo estudo publicado na mesma edição da revista Science. “São necessárias novas ideias que transfiram o financiamento das infra-estruturas para o financiamento da manutenção de serviços seguros de água.”