Estudar no ensino superior custa, em média, 900 euros todos os meses

Mais de 84% do rendimento dos estudantes (que provém essencialmente da família) é canalizado para despesas relacionadas com o “custo de vida”. A maior fatia é, sem surpresas, para a habitação.

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Manifestação de estudantes em Lisboa, em 2023 MATILDE FIESCHI
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Novecentos e três euros e noventa cêntimos: é de quanto precisa um estudante do ensino superior, em média, todos os meses. O alojamento, a alimentação e os transportes são os responsáveis pelas fatias mais relevantes.

A conclusão é de um estudo do Iscte, inserido no Projecto Europeu Eurostudent VIII, que analisou as condições de vida e de estudo dos alunos do ensino superior. Foram inquiridos, online, mais de dez mil estudantes.

O “custo de vida” é o maior responsável pelas despesas dos estudantes. Neste indicador, inserem-se nove categorias de consumo: alojamento, alimentação, transporte, comunicação, saúde, assistência à infância, pagamento de dívidas (excepto amortizações), actividades de lazer social e outras despesas comuns. Para suportar tudo isto, os estudantes despendem, em média, 762 euros por mês, mais de 84% das despesas totais.

O relatório mostra também que o montante necessário para despesas mensais depende da idade do estudante e de este ser trabalhador ou não. Os estudantes mais velhos e com mais horas de trabalho, assim como os que têm rendimentos próprios, são os que assinalam uma despesa maior por mês: 1269 euros. Em contrapartida, são os bolseiros que gastam menos: em média, cerca de 518 euros mensais.

Sem surpresas, o alojamento é “a despesa com mais impacto no conjunto de encargos dos estudantes do ensino superior”, correspondendo a 33,5% da despesa mensal, refere o estudo. Em termos médios, “mas com situações muito diversas”, salvaguardam os autores, são precisos 300 euros por mês só para pagar habitação. Este valor aumenta para os estudantes deslocados a estudar em Lisboa, que precisam, em média, de 363 euros para alojamento.

A situação de residência dos estudantes do ensino superior é “relativamente diversificada”. Quase metade (49,3%) vive em casa dos pais ou de familiares. Ainda assim, o estudo aponta que “houve uma redução dos estudantes que vivem com os seus pais” face à última edição do projecto.

O número é mais alto entre os que têm até 21 anos (55,3%) e assim se mantém até aos 24 anos (55,7%), e entre os que estudam em Lisboa (56,2%), o que “pode estar relacionado com o tipo de custos de alojamento que têm sido observados nos últimos anos nesta região”.

Bolsas longe de cobrir "custos reais" de estudar na universidade

Longe vão os tempos em que se olhava só para as propinas como as únicas despesas do ensino superior, refere João Machado, vogal da direcção do Conselho Nacional da Juventude com o pelouro da Educação. A parte má que os dados mostram é que, se nada for feito, o ensino superior arrisca-se a não cumprir o “papel de elevador social que tem tido até agora”.

“O problema é que a acção social, mais concretamente as bolsas, não consegue ainda cumprir o custo real da frequência do ensino superior”, acredita. É verdade que não cobrem apenas a propina, “o que é positivo”, mas ainda há falhas. Por exemplo, falta que se olhe para o custo dos materiais de estudo ou que se afine o “complemento de transporte”, que permite que os estudantes possam ir a casa visitar os pais.

Apesar disso, a habitação é o tema incontornável, que, na visão de João Machado, só se revolve com mais oferta nas residências estudantis, “cumprindo com urgência” o Plano Nacional para o Alojamento no Ensino Superior (PNAES), com os fundos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).

Só 9% dos estudantes inquiridos vivem em residências estudantis e são esses os que “conseguem ter uma despesa média mais baixa com o alojamento”. São também os mais novos que aqui vivem e, em média, gastam 213 euros por mês.

No entanto, números recentes mostram que só 32% das necessidades dos estudantes deslocados estão garantidas pelo PNAES: o número de camas disponíveis ronda as 35 mil, para 110 mil estudantes deslocados.

Ainda que em Maio último o Governo tenha anunciado mais 709 camas para estudantes em pousadas do Inatel e da juventude (a maior oferta para Lisboa e Porto, com 208 e 130 camas, respectivamente), os estudantes acham a medida insuficiente. Mariana Barbosa, da Federação Académica de Lisboa, apontou, à data do anúncio, que esta medida era uma ajuda mas não resolvia o problema. Referiu também que os quartos das pousadas “não estão adequados, muitas vezes, ao que é a vivência dos estudantes, não têm cozinha e são para três ou quatro pessoas”.

Para João Machado, outras medidas servem apenas como paliativos, como o aumento do complemento de alojamento. “O complemento de alojamento é uma medida que, em teoria, é bem pensada e que ajuda a colmatar um grande custo dos estudantes, que é o facto de terem de ir ao mercado privado para arrendar quartos. Mas tem aqui uma grande falha, porque requer um contrato ou um recibo verde”, ilustra. “Acaba por ser ineficaz porque há muitos senhorios que não querem assinar contratos ou passar recibos”, dificultando o acesso.

Em Março deste ano, as federações académicas de Lisboa e Porto já tinham alertado para a dificuldade que o custo do alojamento representa para os estudantes universitários. Segundo o simulador do Observatório do Alojamento Estudantil, o preço médio para um quarto em Lisboa é de 480 euros, havendo 2602 disponíveis; no Porto, há 795 quartos, a um preço médio de 386 euros; em Coimbra são 485 por, em média, 270 euros.

“Há estudantes a levantarem-se às 5h para terem aulas às 8h. Têm de se levantar muito cedo e chegar a casa muito tarde para poderem continuar a estudar. É particularmente difícil e desgastante”, referiu Francisco Fernandes, presidente da Federação Académica do Porto.

Sem soluções específicas para este problema, muitos são forçados a desistir. Este é um tema que já tinha sido abordado pela Federação Académica de Lisboa no final do ano passado, quando divulgou um inquérito que revelava que um terço dos estudantes já ponderou abandonar o ensino superior, apontando a saúde mental como principal factor, e os custos logo de seguida – com o alojamento a surgir como a despesa mais relevante. E que volta a ser referido por João Machado, que descreve o fenómeno de estudantes que são colocados no ensino superior mas não se matriculam, ou que desistem, como “silencioso” e até envergonhado — e por isso difícil de concretizar.

“Quando isso acontece, os mais prejudicados são aqueles que já têm condições socioeconómicas mais desfavoráveis. Cada estudante que não entra no superior configura um atraso do país”, acredita.

Um dado que se mantém em relação a edições anteriores do inquérito é a dependência da família enquanto “principal fonte de rendimentos”, sendo dela que provém o montante mensal médio de 898,4 euros de que 96,3% dos inquiridos dependem. A escolaridade dos pais “é relativamente expressiva das possibilidades dos apoios prestados”, diz o relatório: filhos de pais com baixa escolaridade contam com menos rendimentos da família, em comparação com os filhos de pais com educação superior.

Texto editado às 11h23 para alterar a frase onde se refere a necessidade de afinar o complemento de transporte

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