Como lidar com uma traição?

A psicóloga Margarida Rufino ajuda a entender que passos podem ser dados para uma reconciliação. Ou como lidar com o término que pode resultar de uma traição.

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Como lidar com uma traição? Malte Mueller/Unsplash
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Descobrir uma traição é uma das manchas mais profundas de uma relação. Determina o fim de muitas; outras, com muito trabalho, conseguem resistir. A ideia de que a relação é indestrutível é abalada e podem começar ciclos de cobrança e de exigências.

Para a pessoa traída, a auto-estima pode ficar destruída e os sentimentos de culpabilização podem tornar-se avassaladores. A psicóloga Margarida Rufino dá algumas dicas para melhor lidar com a situação.

Fui traído. O que devo fazer?

“Existem vários ‘dependes’”, começa a psicóloga. Depende, em primeiro lugar, “se a pessoa traída acredita que a relação vai poder resultar” depois de uma traição. Depois, depende de há quanto tempo a traição acontece ou como a traição é descoberta. Haver filhos ou não pode ser também determinante nos passos seguintes.

Avaliados estes factores, é importante perceber se “o casal deseja reconstruir” a relação ou se prefere, por outro lado, terminá-la. “Todo este processo é extremamente doloroso, é caótico, leva a várias discussões, várias cobranças e desconfianças que precisam de ter espaço para depois serem, ao longo do tempo, contidas”, explica Margarida Rufino.

É muito frequente que exista “um inquérito quase pormenorizado” por parte da pessoa traída: perguntas como “como é que aconteceu, com quem, porquê” são comuns e legítimas. “A pessoa que é traída precisa de ter esse espaço”, assegura. “Por mais que a pessoa que traiu se comprometa à honestidade, nem sempre a pessoa traída percebe o que se passou e vai à procura do porquê.”

Do outro lado, a pessoa que trai “deve comprometer-se a cortar com a relação extraconjugal”. Podem existir novas condições para a relação por parte da pessoa que foi traída — caso existam, é importante que elas sejam “comunicadas claramente”, mas também que sejam “realistas e viáveis”. Não é razoável que a pessoa traída peça que a outra pessoa deixe de sair de casa, por exemplo.

Ainda que responder a todas as perguntas possa não ser fácil para a pessoa que traiu, elas devem ter lugar, até para evitar cenários de “imaginação fértil”.

Como evitar sentimentos de desconfiança e rancor?

O próprio processo de cura da pessoa traída inclui, muitas vezes, “ciclos de cobrança”, em que se relembra “continuamente à outra pessoa aquilo que ela fez”. Há também, muitas vezes, uma desconfiança que se mantém.

Não há, infelizmente, uma fórmula certa para lidar com isto, apenas alguns comportamentos que podem ajudar. “Conversas honestas e comportamentos reconfortantes” por parte da pessoa que trai são essenciais. “A pessoa traída está muito magoada, com uma auto-estima destruída e é preciso tempo e muita empatia”, afirma Margarida Rufino. Para que haja uma reconstrução, é necessário que existam "várias conversas honestas sobre como é que as pessoas se sentem e sobre o que realmente aconteceu".

A ideia de que a relação é indestrutível é “completamente abalada” e é comum que a pessoa traída acabe por se tornar “muito exigente”.“Não conseguindo sair disso, após meses de conversa e tentativas de remediação da relação, o importante é procurar um profissional que ajude nesses casos.”

Outro desafio é o estigma que continua a haver em relação ao perdão de uma traição. “É visto como uma fraqueza, muitas vezes até pelas pessoas que estão à nossa volta, pela nossa rede.” A dificuldade em alhear-se desse estigma pode resultar no isolamento do casal ou da pessoa traída que perdoa e que não se sente compreendida. Pode ser necessário encontrar um profissional para ajudar a lidar com as pressões externas.

E se a relação acabar?

Há que enfrentar as diversas fases de um término: negação, procura, raiva, “pensar como é que a pessoa nos pode ter feito isso” são estágios comuns. Depois de restabelecidos destas emoções, podemos sentir a nascer em nós “uma sensação de perda e de tristeza associada a essa perda”.

Nesta fase, é importante contar com quem é importante para nós: “Não é um luto fácil, porque nos faz pôr em causa quem somos, o que demos, coloca-nos num lugar de insuficiência, faz-nos sentir muita raiva e nojo, dá-nos vontade de vingança”, refere a psicóloga.

Pode trazer também sentimentos de culpa, de “assumir que a traição é um resultado de a relação não estar bem” por outros motivos que já poderiam até ter sido previamente identificados. “Podemos sentir que não demos o suficiente a nível emocional ou sexual, por exemplo. Isso precisa de ser desconstruído para que não levemos resíduos dessa ex-relação para outras novas relações.”

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