Yan, Assis e Tomazi, o trio de jogadores brasileiros que quer levar o Cinfães para as cabeças

Jovens disputam a quarta divisão do campeonato português confiantes de que o time vencedor do distrital de Viseu pode galgar posições de destaque. Portugal se torna trampolim para a carreira deles.

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Assis, Yan e Tomazi estão certos de que farão uma ótima campanha na disputa pela quarta divisão Jorge Marques
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O baiano Josimar Oliveira, 51 anos, não economiza nos elogios ao filho Yan Victor, 21, meio-campista do Clube Desportivo Cinfães. “É um jovem muito comprometido com o que faz, esforçado e dedicado à família”, diz. “E é incrível: desde muito pequeno, ele sempre disse que seria jogador de futebol”, acrescenta. “Fico muito feliz por ele ter seguido o caminho que escolheu. Tem todo o meu apoio, como teria se escolhesse qualquer outra profissão, se dançasse balé ou funk”, complementa.

Pai e filho estão separados por um oceano de distância, mas se mantêm unidos por um mesmo objetivo: o sucesso do garoto que desembarcou em Portugal há quatro anos. Como ele, muitos jovens brasileiros aportam em terras lusitanas todos os anos na esperança de darem passos rumo ao estrelato do futebol. Yan integra um trio de brasileiros que promete fazer a diferença no tradicional time do Cinfães. Ele foi campeão pelo clube na mais recente disputa pelo estadual de Viseu. “Ganhamos vários títulos”, vibra.

A Yan, se juntaram, para a atual temporada, o lateral esquerdo Assis, 28, que está há sete anos no país europeu, e o zagueiro central, Maurício Tomazi, 27, há três na jornada portuguesa. O Cinfães fez questão de reforçar o elenco para estrear na Quarta Liga do Campeonato Português, equivalente a Série D do Brasileirão. “Estamos muito empenhados em fazer uma excelente campanha. Há uma enorme motivação para isso”, afirma Assis. “Fui muito bem recebido por todos, e tenho vários amigos na equipe”, complementa Tomazi. A meta do trio é levar o Cinfães a ligas superiores. Talento não falta para os brasileiros.

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O interesse no Brasil pelo futebol português cresceu muito nos últimos anos. A presença de técnicos lusitanos em times de ponta, como Flamengo, com Jorge de Jesus, e Palmeiras, com Abel Ferreira, acumulando títulos no Brasileirão e na Libertadores, fez com que meninos que estavam despontando como jogadores passassem a ver Portugal como trampolim para a carreira. A estimativa de especialistas é de que mais de 300 brasileiros estejam espalhados por equipes de Norte a Sul do território luso. Todos em busca dos merecidos holofotes.

Dores e conquistas

Yan viveu quase toda a infância no subúrbio de Brasília. Aos nove anos, com a separação dos pais, acabou se mudando para o interior de Minas Gerais, onde a mãe, Mônica, tinha parentes. Na despedida do pai, ouviu dele que, quando retornasse para a capital brasileira, seria matriculado na melhor escola de futebol da região. Aquela promessa sempre ficou na cabeça do garoto. Três anos se passaram, e Yan voltou para as origens. Como Josimar havia prometido, o menino entrou para um centro de treinamento.

Não demorou muito para que Yan se destacasse. Começou a participar de campeonatos e a fazer testes em uma série de times. Foram várias as recusas, mas surgiu a oportunidade de jogar pelo Rio Claro, time do interior de São Paulo. Estava prestes a fazer 16 anos e logo participou do campeonato de juniores, a Copinha. Na temporada seguinte, no primeiro jogo, rompeu os ligamentos do joelho e torceu o tornozelo. Temeu por ficar de fora da disputa, mas recuperou-se a tempo de seguir até a segunda fase do campeonato, quando o Rio Claro foi eliminado. “Consegui um bom destaque nas partidas em que joguei”, lembra.

Totalmente recuperado e em ascensão, Yan estava pronto para voar alto. Contudo, veio a pandemia do novo coronavírus. Todos os campeonatos foram suspensos. O jeito seria voltar para a casa, em Brasília. Mas o convite de uma namorada para ficar na residência dos pais dela, tocando os estudos até que tudo retornasse à normalidade, o manteve no interior paulista. O empresário do jovem, Manoel Santana, propôs, então, ao pai de Yan que ele fosse para Portugal. O atleta tinha apenas 17, mas sabia o tamanho da oportunidade que estava se abrindo para ele. Foi contratado pelo Gouveia, já para disputar o campeonato distrital.

Do Gouveia, onde teve o suporte do filho do empresário dele, seguiu para o Tirsense, sem uma boa adaptação. “Neste período, foi a primeira e única vez que pensei em desistir”, destaca. O destino, então, o empurrou para o Cinfães, onde ergueu vários troféus logo na primeira temporada. “Estou muito satisfeito com o tratamento que recebo”, acrescenta Yan. O maior desejo dele é que o sucesso profissional e uma boa condição financeira lhe permitam ter os pais em Portugal, bem pertinho, para sentir o calor do conforto da família.

Perda do pai

A distância dos familiares mais próximos é a principal dificuldade que os jogadores têm de lidar em Portugal. Assis se emociona quando fala do assunto. Ele não pode sequer se despedir do pai, de quem carrega o nome e que morreu em 2021, vítima da covid-19. “Não pude nem ir ao enterro dele. Só consegui compartilhar a dor dessa perda com a minha mãe e os meus irmãos tempos depois, quando retornei ao Brasil. Cheguei, inclusive, a pensar em encerrar a minha carreira em Portugal”, relembra.

Natural de Cruzeta, no Rio Grande do Norte, mas criado em Quirinópolis, em Goiás, o lateral esquerdo teve passagens por vários times, disputando campeonatos estaduais e partidas por algumas divisões do Brasileirão. No início de 2016, sem clube, foi aprovado no vestibular para educação física. Quis o destino que um convite para disputar o campeonato brasiliense pelo Paracatu se colocasse no caminho dele. A boa campanha do jogador despertou o interesse do antigo Brasília, cujo dono, o empresário Luís Belmonte, estava comprando o falido Dom Pedro, rebatizado de Real Brasília.

À época, Belmonte estava negociando a aquisição de 50% do controle do time português Previdém. Assis acabou transferido para o clube do outro lado do Atlântico, que, naquele ano, venceu o distrital de Braga. Mas as conversas entre o empresário brasileiro e os portugueses desandaram, o negócio não saiu e o lateral esquerdo assinou contrato com o Águeda, de Aveiro. A boa campanha o levou para o Sintrense e, em seguida, para o Pedras Salgadas. A pandemia interrompeu tudo e a incerteza foi amenizada pela força da mulher, Lanna Cabral, que jamais deixou de lhe estender as mãos.

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A carreira de Assis foi retomada no Condeixa de Coimbra, pelo qual jogou na Terceira Liga do Campeonato Português. Contudo, a boa relação construída com o técnico André Ribeiro o atraiu para o Valadares de Gaia. “Ali tive o apoio que precisava para seguir com o meu sonho”, afirma. Antes de chegar ao Cinfães, o clube atual, passou pelo Vienense e pelo Marco 09. Toda essa estrada percorrida deixou importantes lições ao jogador. “Em Portugal, há uma metodologia e uma cultura tática diferentes. No início, sofremos bastante, mas, com o tempo, apreendemos o estilo de jogo e disputamos espaços de igual para igual”, assinala.

Distância incomoda

O gaúcho Tomazi despertou para o futebol por meio de um tio, que fazia a escolinha do Grêmio, em Porto Alegre. A avó, com quem ele morava, o levava a todas as aulas, pois não podia deixá-lo sozinho em casa — ele tinha somente 6 anos. Foi preciso, no entanto, que ele esperasse mais um ano para que pudesse realizar o sonho de treinar com os garotos que via correr, cheios de entusiasmo, atrás da bola. “A escolinha só permitia matrículas a partir dos 7 anos”, relembra. Os treinos duraram muito pouco, pois o menino voltou a morar com os pais, em um local distante. “Somente aos 10 anos, voltei para o Grêmio”, emenda.

O talento do zagueiro central deu origem a um contrato de quatro anos com o tricolor gaúcho. Terminado esse período, ainda muito novo, foi jogar em um time de Canoas. Numa conversa com um amigo da escola, ouviu a promessa de um teste para o Novo Hamburgo. Nos seis meses que ficou ali, marcou um gol decisivo contra o Internacional de Porto Alegre. “A chave virou. Vários empresários me ligaram querendo me agenciar”, conta. Acabou parando no Inter, conquistando vários títulos e participando de turnês internacionais. Três anos depois, foi contratado pelo Avaí, passando do sub-18 para o time principal. Jogou ainda pelo Serra Macaense, no Rio de Janeiro, e pelo Toledo, no Paraná.

A trajetória em Portugal começou no meio da pandemia, no Valadares de Gaia. Foram algumas temporadas pelo time, até seguir para o São João de Ver e retornar ao Valadares. “Agora, toda a minha dedicação será ao Cinfães, que acaba de me contratar”, comemora. Cheio de entusiasmo, nem passa pela cabeça do jovem retornar para o Brasil tão cedo. “Tive uma adaptação bastante rápida. Por todos os times que passei, encontrei vários brasileiros, que me ajudaram nesse processo. Quero me aprimorar como profissional para participar das principais divisões do campeonato português e, quem, sabe, jogar em outros times da Europa”, frisa.

Tomazi está há dois anos sem ver a família. “É um tempo muito longo”, ressalta. “Sinto muito por não estar participando diretamente da vida do meu irmão, de 13 anos. Não acompanhei parte da infância dele e não estou participando da adolescência”, lamenta. A forma que ele encontrou de driblar o aperto no coração é se dedicando ao máximo à profissão de escolheu. “Talvez, no Brasil, não teria as oportunidades que a vida está me dando em Portugal, um país seguro, bom de morar, onde não se ganha muito, mas se vive bem. Por isso, não me arrependo das escolhas que fiz”, afirma.

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