Estudar nas escolas portuguesas: os tipos de ensino, as bolsas e as lições

Preparação prévia da documentação, análise do histórico das instituições de ensino e checagem do valor das taxas de matrícula são fundamentais para evitar armadilhas. Notas do Enem ajudam estudantes.

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Alessandro Gonçalves Aires estuda direito e começou a estagiar em um escritório de advocacia Arquivo pessoal
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Diante do número crescente de brasileiros buscando oportunidades de estudo em Portugal, tornou-se imprescindível saber as regras vigentes para não transformar essa jornada em um tormento. Dos cursos de ensino médio às vagas de doutorado, há muitas diferenças entre os sistemas educacionais brasileiro e português. Os desavisados, portanto, podem cair em várias armadilhas.

Há requisitos básicos para as matrículas nos colégios e nas universidades de Portugal, como documentos atualizados, uso das notas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), realizado no Brasil, validação de notas e de diplomas e, claro, os custos. Conferir se as taxas de matrícula (propinas) cabem no bolso é vital.

Segundo dados da Direção-geral de Estatísticas da Educação e Ciência para o ano letivo de 2022/2023, de um total de 74 mil alunos estrangeiros inscritos em diferentes cursos em estabelecimentos de ensino superior em Portugal, cerca de 26% eram brasileiros, ou seja, 20 mil. Já no Brasil, os estudantes portugueses correspondiam a apenas 3,4% das matrículas de estrangeiros na graduação.

No ensino médio, a presença brasileira é muito maior em Portugal. Dados mais recentes divulgados pelo Conselho Nacional de Educação, referentes ao ano letivo de 2021/2022, apontam que havia 46.103  estudantes oriundos do Brasil, um acréscimo de 7.809  alunos em relação ao período anterior.

Ensino médio

Há várias formas de ingresso no ensino médio. A matrícula direta é um processo simples e rápido, mas pode haver vagas limitadas em algumas escolas, principalmente, em áreas centrais ou com maior demanda. Sendo assim, é fundamental verificar a data de registro na secretaria da escola escolhida. Mais: apresente os documentos necessários no prazo estabelecido.

Já a prova de transferência oferece a chance de ingresso em uma escola com melhor qualidade de ensino ou que tenha o curso desejado. A prova pode ser complexa, com conteúdo abrangente de diversas disciplinas do ensino fundamental. A dica é estudar os conteúdos previstos. Também vale a pena recorrer aos simulados e buscar apoio de professores ou cursinhos preparatórios, se necessário.

O exame de classificação é realizado por algumas escolas para selecionar novos alunos. As provas podem ser difíceis, com alta concorrência, principalmente em escolas renomadas. Por isso, ter flexibilidade para se encaixar nas vagas disponíveis pode tornar o processo mais fácil.

Cursos técnicos

Os cursos profissionalizantes são uma ótima oportunidade para os brasileiros que querem ingressar no mercado de trabalho, em áreas em que o governo e as empresas estão demandando. E isso vale mesmo para os mais maduros. É comum a presença de estudantes com mais de 40 anos nesses cursos.

Há oportunidades para todos. A requalificação e a formação em Tecnologia da Informação são voltadas a cidadãos da União Europeia e estrangeiros com residência legal e ensino secundário completo ou experiência prévia. Os alunos recebem bolsas de estudo e auxílio alimentação, mas é obrigatório estágio em empresas parceiras ao final dos cursos. As chances de contratação são grandes.

Graduação

Ao contrário do sistema de vestibular no Brasil, o governo de Portugal utiliza exames de acesso próprios para as universidades. Algumas delas, inclusive, aceitam as notas do Enem como critério de ingresso, o que facilita a transição para estudantes brasileiros. Há também a opção de se fazer o processo seletivo, denominado “acesso ao ensino superior”, que abrange um conjunto de provas e critérios.

Cristiane Lazoti Kafejian, fundadora e diretora da Eduportugal, especializada em prestar assessoria a brasileiros que querem estudar em Portugal, diz que o primeiro passo para determinar se a nota do Enem é suficiente é compreender como funciona o processo de admissão nas universidades lusitanas. Há faculdades que exigem exames específicos, entrevistas e análise de currículo.

É importante saber, ainda, que só é possível utilizar uma das notas das três últimas edições do Enem, que será válida apenas para acesso à licenciatura. Cada instituição portuguesa, de acordo com a concorrência do curso, define qual é a nota mínima de aceitação para o estudante que fez o exame do ensino médio no Brasil. A nota de corte pode ser conferida no site da universidade pretendida. Não só: consulte sempre a relação válida para o ano letivo que pretende estudar em Portugal. 

Existem plataformas on-line que permitem simular as chances de admissão com base nas notas do Enem. Essas ferramentas consideram o curso desejado e as universidades selecionadas, oferecendo uma previsão mais precisa das chances de ser aceito. Algumas universidades disponibilizam essa ferramenta em seus sites, como é o caso da  Universidade de Coimbra.

Mestrado e doutorado

Para ter acesso aos mestrados, os requisitos básicos são o diploma de graduação e a média mínima de corte, geralmente de 7,0 (numa escala de zero a 10, no Brasil), além de alguns requisitos específicos do programa. É o processo mais simples e rápido, porém, as vagas são limitadas e a concorrência interna é alta, com alunos do ensino médio português.

No caso dos doutorados, não há a obrigatoriedade do diploma de mestrado para o ingresso nos cursos. Mas aqueles que são oriundos de curso de mestres têm chances maiores de aprovação no processo seletivo, sobretudo, se a nota média do curso for de 8,0 ou mais. Já nos processos com vagas limitadas, pesará, também, o desempenho em disciplinas específicas.

Dicas importantes

Uma dica dos especialistas para quem está em dúvida sobre que universidade escolher em Portugal, seja para graduação, seja para mestrados e doutorados, é verificar os rankings mais respeitados. Entre eles estão o QS World University Ranking, o Academic Ranking of World Universities , mais conhecido por Ranking de Shanghai, o Times Higher Education World University Rankings  e o  Financial Times exclusivo para Business School.

Cristiane Lazoti explica que cada ranking utiliza critérios próprios para selecionar as universidades do mundo todo, bem como o ano do ranking. Esse cálculo pode envolver entrevistas com professores, pesquisadores, palestrantes, número e qualidade de pesquisas publicadas, prêmios concedidos a ex-alunos e membros acadêmicos, qualidade de ensino, visão empresarial, entre outros fatores.

A executiva alerta que analisar apenas o ranking de universidades é um erro comum, pois nem sempre a instituição classificada na primeira posição de um determinado ranking também encabeça a lista no curso pretendido. E há a questão do custo que também não deve ser ignorada.

Bolsas de estudo

Estudar em Portugal não é um projeto barato. Mas há algumas alternativas. Além das vantagens para brasileiros com dupla cidadania, há bolsas de estudo que podem ajudar a reduzir os custos com as mensalidades.

A Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) oferece diversos programas de bolsas de estudo para estudantes de graduação, pós-graduação e doutorado, tanto para brasileiros quanto para estudantes de outros países. Há, também, as universidades com bolsas próprias de estudo para estudantes internacionais. Informações que constam dos sites das universidades.

Outros apoios que podem fazer a diferença para os brasileiros são ofertados pela Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), da qual o Brasil faz parte e pelo Programa de Integração de Estudantes Brasileiros (PIEB), com suporte financeiro. Para aqueles que não se qualificarem a bolsas de estudo, as alternativas são os financiamentos educacionais disponíveis em instituições financeiras, claro, mediante o pagamento de juros.

Lições valiosas

O jovem Rafael Condack Barcelos, 21 anos, trocou Brasília pela capital portuguesa em 2021 para estudar ciência política na Universidade de Lisboa. Sua jornada, marcada por planejamento, adaptação e paixão pela política, oferece valiosas lições para quem deseja seguir o mesmo caminho.

O processo de validação do diploma brasileiro em Portugal foi o primeiro obstáculo que Rafael enfrentou. A demora na obtenção de alguns documentos, como o histórico escolar e a certidão de antecedentes criminais, exigiu paciência e organização. O visto de estudante exigiu ainda a apostila do diploma e o comprovante de saúde.

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Rafael Condack Barcelos usou as notas do Enem para entrar na Faculdade de Ciências Políticas da Universidade de Lisboa Arquivo pessoal

Superada toda a burocracia, a mudança para Portugal significou não apenas um novo ambiente acadêmico, mas, também, uma nova cultura. “Por isso, a importância de se ter mente aberta e disposição para se adaptar aos costumes locais”, ensina.

A experiência do brasiliense, que, na sua matrícula, se beneficiou da boa nota obtida no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) no Brasil, reforça a importância do planejamento prévio para quem deseja estudar fora do país. Ele aconselha aos jovens pesquisar as universidades e escolher o curso com cuidado.

Rafael está concluindo a graduação e pretende fazer um mestrado em políticas sociais. Ele sonha em voltar ao Brasil para atuar na área política, contudo, não descarta a possibilidade de permanecer na Europa.

Lista de preocupações

Daniel Domingos, 23, gaúcho de Porto Alegre, desembarcou em Lisboa em 2020, quando ingressou na Faculdade de Direito de Lisboa, também com a ajuda da nota do Enem. Ele diz que muitos alunos brasileiros têm feito o mesmo. Há cursos, em que os alunos que cruzaram o Atlântico representam 70% dos estrangeiros matriculados.

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Daniel Domingos Barcelos trocou o curso de direito pelo de relações internacionais na Universidade de Coimbra Arquivo pessoal

Além da pesada grade de estudos, que exige enorme concentração dos estudantes, Daniel afirma que um novo tema foi adicionado à lista de preocupação: a xenofobia. Isso deu origem a um movimento que resultou na criação da Comitê Popular de Estudantes Brasileiros em Portugal, que atua em parceria com a Associação Acadêmica da Faculdade de Direito de Lisboa (AAFDL). Daniel acaba de pedir transferência para o curso de Relações Internacionais da Universidade de Coimbra.

Aos 32 anos, Alessandro Gonçalves Ayres está realizando o sonho de fazer mestrado em Direito na Universidade de Lisboa. Melhor: andando pelos corredores da faculdade, que ele ouviu que havia um processo de seleção para estagiário em um escritório de advocacia em Lisboa. E não perdeu tempo. Foi lá, fez a entrevista e conseguiu a vaga.

Os artigos escritos pela equipa do PÚBLICO Brasil são escritos na variante da língua portuguesa usada no Brasil

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