Brett sobreviveu ao “pior pesadelo” de um surfista: um ataque de tubarão

Tinha 22 anos quando foi atacado por um tubarão e ficou sem grande parte da coxa. Meses depois já conseguia andar e estar em cima de uma prancha, mas escolheu deixar o surf para trás.

Foto
Brett Connellan na praia Bombo, onde aconteceu o ataque de tubarão em 2016 Justine Kerrigan / National Geographic
Ouça este artigo
00:00
05:19

Exclusivo Gostaria de Ouvir? Assine já

Brett Connellan não ia surfar naquele dia. O turno na loja de surf seria ser longo, já sabia que ia perder o treino diário para se preparar para a época de competições. Mas, naquela manhã de Março, a loja foi assaltada, algum material foi roubado. O surfista, na altura com 22 anos, precisava de "relaxar", e entrar no oceano significava deixar os problemas do dia em terra.

"Fui surfar nessa tarde apenas com a ideia de tentar esquecer um dia mau, sem pensar muito na hora ou em qualquer outro factor que agora sei que poderia ter impacto na probabilidade de ser atacado por um tubarão", recorda. Ligou a um amigo, pegou na prancha e seguiu para a praia mais perto de casa, no estado australiano da Nova Gales do Sul. "Era uma tarde linda, com um pôr-do-sol fantástico. Estava a surfar há cerca de 40 minutos quando o ataque aconteceu."

Brett estava a menos de 100 metros da costa e não era o único surfista na água. Ninguém viu o tubarão-touro a aproximar-se e o australiano só percebeu o que estava a acontecer quando sentiu o predador a morder-lhe a coxa. "Tive se ser incrivelmente azarado para ser atacado por um tubarão, mas mesmo assim acho que tive muita sorte."

A "sorte" de Brett conta-se em quatro actos: o amigo que o tirou da água e o levou para a areia; a esposa do amigo, enfermeira, que raramente ia assistir aos treinos, mas que naquele dia estava no areal; a presença de outra enfermeira, que estava a passear na praia e que ajudou a colocar os torniquetes na perna que lhe salvariam a vida; e o facto de o local em que foi mordido ter ficado a milímetros de uma das artérias principais da coxa. "Fui um sortudo por todas estas pessoas estarem lá, caso contrário podia não estar aqui para contar a história", lembra.

Chegou a temer-se que nunca mais conseguisse andar ou que tivesse de amputar a perna que foi mordida pelo tubarão, que lhe levou metade da coxa. Acabou submetido a várias operações, incluindo uma que ligou o músculo lateral das costas ao quadríceps esquerdo. Depois de vários meses de recuperação e fisioterapia, o surfista conseguiu voltar a andar e cinco meses depois do ataque já estava em cima de uma prancha de surf.

Relação mais forte com o oceano

Brett cresceu em Sydney, mas aos 18 anos já se tinha mudado para a Gold Coast para estar mais perto da indústria do surf na Austrália. "Estava sempre dentro de água e aos 11 anos o meu pai convenceu-me finalmente a saltar para a prancha de surf. Apaixonei-me imediatamente pelo desporto e aos 14 anos já competia, mas só um pouco mais tarde é que percebi que o queria fazer a longo prazo", diz o surfista. Queria ter um emprego relacionado com o desporto, mas ainda não tinha a certeza qual, por isso começou por tirar Estudos do Surf na universidade e por treinar outros surfistas. Só no início de 2016, o ano do ataque do tubarão, é que decidiu categoricamente que ia tentar a sua chance nas competições profissionais.

Foto
Uma das imagens do documentário Attacking Life Attacking Life

Aprender o máximo possível sobre tubarões, os seus habitats e aos factores que podem levar a que ataquem humanos foi a forma que Brett, agora com 31 anos, encontrou para aceitar o que lhe tinha acontecido. "Cresci a ouvir que devemos evitar surfar nas primeiras horas da manhã ou ao início da noite porque a probabilidade de existirem tubarões junto à costa é maior, mas para muita gente esses são os únicos momentos que existem para estar em água e é quando as ondas são melhores."

O surfista passou a estar atento à qualidade da água e à temperatura do oceano, à disponibilidade de fontes de alimento para os tubarões. "Agora, sempre que entro em água, estou confortável com os riscos e tenho consciência de que estou a entrar em casa de vários animais marinhos. Ao contrário do que se pode pensar e do que eu próprio achava, a minha relação com o oceano e com os tubarões é mais forte do que antes do ataque. Ganhei um respeito ainda maior por este habitat."

Durante anos, evitou partilhar detalhes sobre o que lhe aconteceu em Março de 2016. Não queria ser conhecido como o surfista que foi mordido por um tubarão, daí que não tenha mergulhado de imediato "nesta coisa de falar em público e de dar palestras". "Como os ataques de tubarão são tão raros, acreditei que a minha experiência era única e que de nada valia partilhá-la, mas acabei por perceber que falar com outras pessoas que tinham sobrevivido a coisas semelhantes foi uma grande ajuda para me trazer de volta ao ponto onde estou agora", refere. "Costumo dizer que não importa o que nos acontece, mas sim a forma como escolhemos reagir a isso. São as decisões que tomamos para ultrapassar essa adversidade, para procurar apoio, para seguir em frente contam."

Chegou a voltar ao surf e a competir profissionalmente, mas depressa percebeu que o desporto já não lhe enchia as medidas. "Perguntei a mim próprio: passei mesmo por isto tudo só para me tornar a mesma pessoa que era antes? Quando dou um passo atrás e vejo o impacto que consegui ter na vida de outras pessoas através da partilha, percebo que ultrapassa em muito o que alguma vez conseguiria fazer como surfista profissional, mesmo que vencesse muitas competições."

Além de palestras em escolas, participações em conferências e entrevistas em geral, o surfista encontrou outras formas de partilhar o que lhe aconteceu. Sempre lhe disseram que devia escrever um livro, mas achou que um documentário era o meio ideal para uma "história tão gráfica". Pediu a um amigo realizador de cinema que o ajudasse a produzir um pequeno documentário de cinco minutos para acompanhar as suas palestras, mas quando terminaram já tinham horas de filmagens que acabaram por dar origem ao Attacking Life, que se estreou em 2023. E apesar de não ter experiência prévia nesta área, quis estar envolvido em todos os passos. "Não queria que se retratasse os tubarões como uma força maléfica do oceano. Apesar do que me aconteceu, adoro tubarões."