Paris tem duas novas torres: mas são das baixinhas

O voleibol de praia sempre se jogou de forma simples: recepção, passe e remate – um, dois, três. Depois, chegaram dois miúdos suecos, baixinhos, que quiseram inventar. E são campeões olímpicos.

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David Åhman e Jonatan Hellvig celebram em Paris DIVYAKANT SOLANKI / EPA
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Com a Torre Eiffel como cenário idílico, o voleibol de praia olímpico tem sido a modalidade mais cool dos Jogos. Já muita coisa aconteceu por mérito do estádio Torre Eiffel e, neste sábado, ergueram-se duas novas torres ao pé daquela nada famosa e que nunca valeu fotografias durante os Jogos.

Mas as que agora se erguem são duas torres das baixinhas – salvo seja. David Åhman e Jonatan Hellvig são os novos campeões olímpicos de voleibol de praia, tendo chegado ao ouro do alto de 1,93 e 1,91 metros. Para o cidadão comum, são duas pequenas “bestas”. Para o contexto do voleibol são apenas banais – nas últimas cinco duplas campeãs olímpicas nunca houve um atleta abaixo de dois metros. “Somos bastante baixinhos”, disse Åhman em Paris.

Como é que duas torres “baixinhas” conquistam o voleibol de praia? Há uma boa explicação para isso e já tem nome: chama-se o “jump set sueco”, que dois miúdos escandinavos estão a aplicar aos graúdos que lá andam – embora, curiosamente, tenham aplicado menos na final deste sábado com a Alemanha (2-0) do que nos jogos anteriores.

Um, dois, esqueçam o três

O voleibol de praia sempre se jogou de forma simples: recepção, passe e remate – um, dois e três. Até o videojogo dos Jogos Olímpicos sabe disso: o preceito é jogar-se sempre a três toques.

Para a dupla sueca, é outra coisa: é um, dois e esqueçam o três – ou então não esqueçam. Porquê deixar os adversários saberem o que vai acontecer se puderem deixá-los às escuras até ao último momento?

Os dois artistas suecos responderam a essa pergunta com uma ideia – e não, não foram os pioneiros, mas foram os que cunharam a ideia de forma capaz e como uma táctica de jogo recorrente e não como um recurso esporádico.

Vamos resumir do que se trata: com uma recepção bem feita – alta, sem muito efeito na bola e para perto da rede –, o segundo toque pode ser feito directamente como remate e não como passe para o tal terceiro momento de remate. Ou pode haver passe.

Esse passe, a acontecer, é em formato jump set – no fundo, um passe em suspensão, com os pés no ar e com o jogador a prolongar o tempo de contacto com a bola. Esse contacto mais prolongado é, de resto, algo penalizado no pavilhão, mas dado “de barato” na vertente de praia.

“O objectivo é que o jogador do bloco encontre dois jogadores ofensivos em vez de apenas um. Ele tem de escolher qual de nós bloquear, mas não faz ideia de quem vai realmente passar a bola por cima da rede", explica Åhman.

Onde vai o bloco?

Caso o início do movimento seja bem feito, deixando no ar a possibilidade de remate ou passe, os adversários não sabem o que fazer, porque o movimento atrasa tanto a decisão que altera por completo o timing de bloco dos adversários, que tem três possibilidades:

Hipótese 1: acreditam no remate e vão ao bloco.
Hipótese 2: duvidam do remate e esperam pelo bloco num terceiro momento.
Hipótese 3: ficam presos a meio caminho, na dúvida sobre o que vai acontecer.

A hipótese 3 tem acontecido demasiadas vezes e é por isso, embora não apenas por isso, que a dupla dos “baixinhos” suecos chegou onde chegou.

Esta mudança total dos timings de passe ou remate altera, por extensão, o comportamento defensivo dos adversários, que podem fazer um bloco inútil, se se comprometerem com o passador, ou podem abdicar de um bloco útil, se esquecerem esse passador, que pode tornar-se rematador – em qualquer dos casos, deixam muita areia livre para ser explorada em ataque.

É infalível? Não. Se fosse, os suecos teriam vencido os jogos todos por 2-0, com 21-0 em todos os sets. E além de não ser infalível não é sequer uma novidade, porque já todos sabem que eles fazem isto. Mas como contrariar? Boa sorte.

Dizem que é engraçado

Este tipo de passe em suspensão é algo banal no voleibol de pavilhão, mas muito incomum no de praia, que cristalizou o 1, 2, 3 sem especiais invenções.

E tem ainda mais importância quando se fala de uma dupla de jogadores baixos. Encarar o bloco dos “gigantones” do lado de lá da rede é uma roleta russa que dificilmente compensa. E tiveram de ser engenhosos.

"Isto significa que não é preciso ter mais de dois metros de altura, saltar e rematar alto. Podemos utilizar outros pontos fortes", explica Åhman.

Alterar o timing do último passe e/ou poder torná-lo um remate é a melhor forma de tirar da frente a torre adversária que vai ao bloco. E quanto melhor for o executante a esconder o seu movimento, fazendo-o parecer um remate, mais eficaz será.

E divertido também. Hellvig chega mesmo a dizer que enganar o adversário desta forma é estimulante e passaram a usar durante todo o jogo, em vez de apenas uma vez por set, por exemplo. “Percebemos quão divertido e engraçado era jogar desta forma”.

Divertido e engraçado, mas depende de que lado da rede está...

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