Ao ar livre, estes alunos andam à “caça” de borboletas — e aprendem a brincar

Projecto de Ciência Cidadã levou dezenas de crianças para o meio da natureza em Oeiras, para aprenderem a identificar borboletas e outros insectos. O objectivo é replicar a iniciativa por todo o país.

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Várias saídas de campo guiadas pela investigadora Clarisse Ferreira foram feitas em Maio, no município de Oeiras Daniel Rocha
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Várias saídas de campo guiadas pela investigadora Clarisse Ferreira foram feitas em Maio, no município de Oeiras Daniel Rocha
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Várias saídas de campo guiadas pela investigadora Clarisse Ferreira foram feitas em Maio, no município de Oeiras Daniel Rocha
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“Está ali uma!” O grupo de crianças do quarto ano grita e aponta enquanto a professora Clarisse Ferreira corre com uma rede pelo jardim, meneando-a para apanhar uma borboleta. “Caça-a” com a rede branca e transfere o pequeno insecto para um copo transparente, com uma lupa integrada. Os alunos amontoam-se para a ver, enclausurada naquele pequeno reduto com uma muralha de olhos curiosos à espreita.

A borboleta já está “velhinha”, com as asas carcomidas. É uma malhadinha, identifica logo Clarisse Ferreira. Ana, de dez anos, questiona intrigada: “Como sabes tão rápido?” “Porque ando a estudar”, responde a professora, libertando depois a borboleta no mesmo sítio onde a apanhara, perto de flores de jasmim. “Três, dois, um… liberdade!”, gritam entusiasmados os cerca de 15 alunos. E assim passam a manhã, numa aula diferente: a ver borboletas, a caminhar pela natureza e a aprender mais sobre insectos.

A visita acontece com várias paragens numa manhã de sol em meados de Maio, nos jardins do Palácio do Marquês de Pombal, em Oeiras. Esta foi uma das visitas escolares que a investigadora Clarisse Ferreira planeou no âmbito do seu projecto de doutoramento em Biologia, na Universidade de Aveiro. “Aprender a brincar” é o objectivo, conta-nos. “Se os alunos e o público em geral não estiverem em contacto com a natureza, não têm aquela necessidade de a proteger e conservar.”

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A história não lhes é contada numa secretária na escola: aqui, vêem com os próprios olhos as poucas borboletas que se avistam num espaço tão vasto, calcorreiam o descampado com as próprias pernas à procura de insectos e usam as suas mãos para mexerem, para sentirem. “São experiências que nunca mais se vão esquecer”, acredita Clarisse Ferreira. E sabe que isso é verdade porque se lembra de, quando era mais nova, a sua professora Angelina lhe pedir que se sentasse em silêncio nas dunas da Reserva Natural de São Jacinto, em Aveiro. A experiência ainda se nota nos conselhos que dá hoje: “Na natureza não se pode fazer barulho”, sussurra. E pede-lhes que fechem os olhos e ouçam.

Mas os olhos estão aguçados para ver os pequenos insectos garridos, ainda que nem só de borboletas se faça este percurso: é também uma viagem pela biodiversidade e pela vida de outros animais. Muitos vão aparecendo: uma lagartixa, uma aranha, um escaravelho, uma abelha, coleópteros e até uma pele de cobra. “A minha ideia é transmitir a importância dos insectos polinizadores, nomeadamente das borboletas, mas não podemos olhar exclusivamente para elas”, diz a investigadora ao Azul.

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Isto é sobretudo importante quando muitas crianças não saem dos apartamentos onde vivem e acabam por ter medo de formigas, de moscas e de outros insectos. As borboletas têm esse lado reconciliador: “As pessoas amam as borboletas, olham para as borboletas e sentem-se felizes, elas têm esse serviço de ecossistema também, de provocar em nós um bem-estar”, considera. Com a protecção do copo, tudo fica mais fácil. Durante a visita, os alunos fugiam da abelha Xilocopa violacea, mas já não se importaram tanto de a ver quando estava resguardada no objecto transparente. “Eles nunca viram assim nenhum outro insecto.”

Além do que vêem, o conhecimento também vai sendo passado pela palavra. O passeio vai sendo pontuado por curiosidades, atiradas no meio da conversa: que as asas das borboletas têm escamas, que todos os insectos têm seis patas, que as aranhas não são insectos (dica: são aracnídeos), que há borboletas diurnas e nocturnas, que o próprio Marquês de Pombal tinha bichos-da-seda (Bombyx mori) – que também são borboletas. É uma forma de “dar a conhecer o porquê de termos de proteger e conservar esta biodiversidade”, diz a professora.

Uma espécie extinta

De roupa desportiva e utensílios em riste, Clarisse Ferreira convida os alunos a seguirem-na: “Então, vamos aprender”, diz. Primeiro passo: procurar flores. “As borboletas gostam muito de flores, levam o pólen de uma flor para outra nas patas.” Ao atravessar a estrada para chegar à Quinta do Recreio do Marquês de Pombal, Clarisse manda parar o trânsito com a sua rede branca.

Depois, a professora de Biologia e Ciências Naturais corre atrás de uma borboleta, mas não chega a tempo de a apanhar. É um campo repleto de flores. “Não é maravilhoso para as borboletas? Não era de ter muitas aqui?”, pergunta. Era, mas não tem. A explicação vem de seguida: há cada vez mais casas, menos habitat, mais pesticidas, mais alterações climáticas, mais espécies exóticas e menos cardos que as borboletas adoram.

Foi o que aconteceu com a espécie-bandeira do seu projecto de Ciência Cidadã Be Butterfly Friendly , a fritilária-do-sul (Melitaea aetherie), que está localmente extinta no município de Oeiras e classificada como “vulnerável” a nível nacional. Esta borboleta desapareceu de Oeiras porque a sua larva utilizava apenas o cardo Cynara cardunculus (também conhecido como cardo-leiteiro) como planta hospedeira. É esta a borboleta que está no cerne do doutoramento em Biologia de Clarisse Ferreira, que é agora investigadora na Universidade de Aveiro.

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Uma borboleta fritilária-do-sul Melitaea aetherie fotografada em Espanha Geoff Scott-Simpson/GETTYIMAGES

O município de Oeiras tem oferecido bolsas de mestrado e doutoramento a professores e educadores de infância e Clarisse Ferreira, professora no município, conseguiu uma dessas bolsas. É essa a razão para que estas primeiras visitas da “fase de teste” tenham apenas sido feitas em 15 escolas no município. Com os dados recolhidos no terreno, o objectivo é agora reestruturar o projecto e apresentar à ASPEA (Associação Portuguesa de Educação Ambiental) uma “oferta de educação ambiental a nível nacional”.

Além da bolsa, o projecto é também partilhado pelo Clube de Ciência Viva na Escola Secundária Quinta do Marquês e pela ASPEA e conta ainda com outra bolsa, no valor de 1379 euros, atribuída pela Forestry and Nature Conservation Agency, uma organização do Ministério da Agricultura de Taiwan dedicado à gestão florestal sustentável e à conservação da natureza. As visitas de campo das escolas do 1.º e 2.º ciclos tiveram também apoio da Divisão de Educação e Ambiente da Câmara Municipal de Oeiras.

Insectos e mais insectos

Quase no final da visita, a professora distribui copos e lupas pelos alunos para que tentem apanhar um pequeno animal. Ana queria apanhar uma borboleta. “Mas elas voam e acho que pode ser difícil”, reflecte a aluna, antes de se lançar à aventura, por entre as ervas, folhas secas e muros cobertos de musgo. No final, regressou com uma aranha, que agora sabe que é um aracnídeo e não um insecto.

Outros alunos regressam à base com formigas e aranhas, e vão experimentando os óculos caleidoscópicos para “verem” como os insectos. Ao lado, Rosarinho, de nove anos, tem uma folha de magnólia presa no bolso das suas jardineiras e mostra o bicho-de-conta que capturou. Mais tarde, conta-nos que a parte preferida de todo o passeio “foi andar em vez de estar na sala de aula”.

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No final da visita, o balanço não foi positivo para as borboletas: foram avistadas apenas três espécies numa área tão vasta (a malhadinha, a borboleta-branca-da-couve e uma borboleta nocturna). “Está pobre”, ouve-se. Mas, para os alunos, a experiência foi positiva. “Eles estavam muito entusiasmados, gostam sempre destas saídas e de observar”, conta-nos Carla Dias, professora desta turma de quarto ano da Escola Visconde de Leceia, onde querem criar um jardim de borboletas para juntar à horta que já têm e à capoeira com galinhas. De resto, não tem dúvidas sobre o sucesso destas saídas de campo. “Às vezes parece que os alunos estão distraídos, mas quando regressamos à escola ficou lá sempre qualquer coisa”, diz. “O que vivem fica marcado.”

A tese de doutoramento de Clarisse Ferreira é orientada por Olga Ameixa e Paulo Silveira – ele especializado na parte das plantas, ela na parte dos insectos. Olga Ameixa, investigadora auxiliar do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar (CESAM) e do Departamento de Biologia da Universidade de Aveiro, acredita que este é um projecto “extremamente importante”, até porque “as crianças podem ser os agentes destas mudanças [de mentalidade] a longo prazo, e também no imediato junto das suas famílias e amigos”.

Além disso, “as borboletas são bons indicadores do estado da biodiversidade” porque estão presentes em muitos locais e reagem rapidamente às mudanças ambientais, porque têm ciclos de vida curtos, explica ao Azul. E, claro, também ajuda o facto de serem “insectos carismáticos” e fáceis de reconhecer.

Certo é que todos os insectos são importantes. “Não podemos dispensar nenhum, porque senão um pode tornar-se uma praga sem ter um predador”, comenta Clarisse Ferreira. “Tento sempre mostrar que é importante um equilíbrio no ecossistema. Todos têm uma função, mais que não seja comer o outro”, diz a brincar. No caso das borboletas, são importantes polinizadoras e também têm um papel necessário na produção de alimentos.

O diagnóstico está feito, mas o que falta são “estratégias que promovam o aumento da biodiversidade dos insectos”, aponta a investigadora, reconhecendo que há muito pouco conhecimento sobre esta “dialéctica” entre as plantas hospedeiras e as borboletas. “Faz-se ainda muito pouco.” E, por isso, um dos seus objectivos é ensinar a criar jardins para borboletas (sobretudo em escolas), com plantas hospedeiras que estes animais realmente precisem, como as plantas nectaríferas. Já tem andado a distribuir arruda, medronheiros, Cynara cardunculus pelas escolas.

Gostava que, um dia, estas visitas ajudassem as crianças a compreender “que é importante termos hortas biológicas, comer produtos de agricultura biológica, para podermos ter os terrenos com menos pesticidas, os rios com menos águas de escorrência de fertilizantes…”, diz. E resume, com esperança: “Para termos um planeta menos poluído, capaz de ter mais insectos e reverter o declínio da biodiversidade”. Para que, nas futuras gerações, um mundo pontilhado por borboletas coloridas não seja uma miragem longínqua.