Obtida a amostra mais profunda de rocha do manto da Terra
O local da perfuração era perto do campo hidrotermal Lost City, uma área de fontes hidrotermais no fundo do mar, no meio do Atlântico, que jorra água superaquecida do interior da Terra.
Utilizando um navio de perfuração oceânica, uma equipa internacional de cientista fez o buraco mais profundo nunca antes atingido em rocha do manto da Terra – penetrando 1268 metros abaixo do leito marinho do Atlântico – e obtive uma amostra que está a oferecer pistas sobre a camada mais volumosa do nosso planeta.
Essa amostra de rocha está a fornecer informações sobre a composição da parte superior do manto e os processos químicos que ocorrem quando essa rocha interage com a água do mar numa variedade de temperaturas. Esses processos, revelaram os investigadores na edição desta semana da revista Science, podem ter sido a base do surgimento da vida na Terra há milhares de milhões de anos.
O manto, que compreende mais de 80% do volume do planeta, é uma camada de rocha de silicato entre a crosta externa da Terra e o núcleo extremamente quente. As rochas do manto são geralmente inacessíveis, excepto quando se encontram expostas em locais de expansão do fundo do mar entre as placas tectónicas, que se movem lentamente e formam a superfície do planeta.
Um desses lugares é o Maciço Atlantis, uma montanha submarina onde a rocha do manto está exposta no fundo do mar. Está localizado no meio do Atlântico, a oeste da vasta cordilheira da Crista Média-Atlântica, que forma a fronteira entre a placa norte-americana e as placas euroasiática e africana.
Usando equipamentos a bordo do navio JOIDES Resolution, os cientistas perfuraram a rocha do manto a cerca de 850 metros abaixo da superfície do mar, numa expedição de Abril a Junho de 2023 do Programa Internacional de Descoberta do Oceano (IODP, na sigla em inglês).
A amostra do manto obtida a 1268 metros abaixo do leito marinho tem cerca de 6,5 centímetros de diâmetro. É constituída por mais de 70% da rocha – com 886 metros de comprimento – do buraco que perfuraram.
“É um recorde, pois as tentativas anteriores de perfurar rochas do manto foram difíceis, com penetração não mais profunda do que 200 metros [no âmbito do programa IODP] e com a recuperação relativamente baixa de rochas. Em contraste, penetrámos 1268 metros, trazendo grandes secções contínuas de rochas do manto”, diz o geólogo Johan Lissenberg, da Universidade de Cardiff (no Reino Unido), principal autor do estudo publicado na Science.
“Anteriormente, estávamos muito limitados a amostras de manto dragadas [por arrasto] do fundo do mar”, acrescenta Johan Lissenberg.
“Tivemos algumas dificuldades para iniciar nosso buraco”, diz o geólogo Andrew McCaig, da Universidade de Leeds (Inglaterra), também co-autor do estudo.
Na parte superior do furo foi colocado um revestimento cilíndrico de cimento reforçado, contra Andrew McCaig, “e depois a perfuração fez-se com uma facilidade inesperada”.
Os cientistas documentaram como um mineral chamado olivina na amostra reagiu com a água do mar a várias temperaturas.
“A reacção entre a água do mar e as rochas do manto ou perto do fundo do mar liberta hidrogénio, que, por sua vez, forma compostos como o metano, que sustentam a vida microbiana. Esta é uma das hipóteses para a origem da vida na Terra”, diz Johan Lissenberg.
“A nossa recuperação de rochas do manto permite-nos estudar essas reacções com grande pormenor e ao longo de várias temperaturas, além de relacioná-las com observações que nossos microbiólogos fazem sobre a abundância e os tipos de micróbios presentes nas rochas e a profundidade em que os micróbios ocorrem no fundo do oceano”, acrescenta Johan Lissenberg.
No campo hidrotermal Lost City
O local da perfuração era perto do campo hidrotermal Lost City (Cidade Perdida), uma área de fontes hidrotermais no fundo do mar que jorra água superaquecida. Acredita-se que a amostra seja representativa da rocha do manto por baixo das fontes hidrotermais de Lost City.
“Uma hipótese para a origem da vida na Terra é que poderá ter acontecido num ambiente semelhante ao de Lost City”, diz Andrew McCaig.
A amostra do manto ainda está a ser analisada. Os cientistas já têm alguns resultados preliminares sobre sua composição e documentaram a ocorrência de um derretimento histórico – rocha derretida – mais extenso do que o esperado.
“Em particular, no mineral ortopiroxónio abunda numa faixa ampla de várias escalas, do centímetro a centenas de metros”, conta Johan Lissenberg. “Relacionamos isso com o fluxo de derretimento no manto superior. À medida que o manto superior se eleva nas regiões de afastamento de placas, derrete, e esse derretimento migra em direcção à superfície para alimentar os vulcões.”