Mergulhos de leões-marinhos ajudaram cientistas a mapear paisagens submarinas na Austrália

Mamíferos marinhos filmaram paisagens submarinas na plataforma costeira no Sul da Austrália. Método de registo eficaz e mais barato permitiu aos cientistas identificar seis habitats diferentes.

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Os habitats vão se transformando. O chão de areia nua, sem vida aparente, é substituído por rochas proeminentes com corais. Há florestas de algas marinhas e outras planícies com muitas esponjas, de diferentes formatos, onde navegam cardumes de pequenos peixes. Estamos na plataforma costeira no Sul da Austrália e quem nos leva a passear nesta paisagem azulada, com pouca cor, são leões-marinhos-australianos fêmeas.

A incursão não é turística, faz parte de uma experiência científica onde foram usados oito animais daquela espécie (Neophoca cinerea), que ao longo de alguns dias foram mapeando quilómetros de caminhos submarinos. O esforço resultou em 89 horas de registos que, com a ajuda da inteligência artificial, ajudou a estimar o tipo de habitat existente numa área muito maior.

O resultado foi publicado esta semana num artigo na revista Frontiers in Marine Science e ajuda a conhecer os habitats bentónicos daquela região – as comunidades de organismos que existem no leito marinho –, as dinâmicas subjacentes que resultam num mosaico de diferentes ecossistemas, e que são importantes para espécies emblemáticas como o próprio leão-marinho-australiano, que está em perigo de extinção.

“Usar vídeos feitos por animais e usar os dados de um predador bentónico é uma forma realmente eficaz de mapear os diversos habitats bentónicos ao longo de uma grande área do leito marinho”, explicou Nathan Angelakis, aluno de doutoramento da Universidade de Adelaide, do estado da Áustralia do Sul, e primeiro autor do artigo, citado num comunicado da editora Frontiers, que edita a revista. “Esta informação é útil não só para mapear habitats críticos para espécies em perigo como o leão-marinho-australiano e, de uma forma mais ampla, para mapear áreas inexploradas do leito marinho”

Ao contrário dos métodos tradicionais da ciência, que usa muitas vezes veículos submarinos para explorar estes territórios, recorrer a animais como o leão-marinho é um método “eficaz” e “relativamente mais barato”, de acordo com o artigo. Os cientistas usaram quatro fêmeas pertencentes à colónia da ilha Olive, a oeste da península Eyre, e a outras quatro fêmeas na colónia da baía Seal, no sul da ilha Kangaroo, ambas as ilhas juntas à costa da Austrália do Sul.

“Colocámos o equipamento em fêmeas adultas para podermos recuperá-lo uns dias depois quando elas voltassem a terra para amamentarem as suas crias”, adiantou o investigador. “Usámos aparelhos de GPS ligados ao satélite nos leões-marinhos, o que permitiu seguir as suas posições em tempo real e saber quando é que as fêmeas voltavam à colónia.”

Para instalarem as câmaras, os cientistas sedaram os oitos mamíferos e usaram uma cola que ficou agarrada à pelagem dos animais. Todo o equipamento usado pesava menos de um por cento do peso dos animais, para garantir que não iria dificultar as viagens das fêmeas. Poucos dias depois, o equipamento foi retirado. Todo o cuidado envolvido teve em conta tratar-se de uma espécie protegida e ameaçada.

Caça submarina

Apesar do habitat dos leões-marinhos-australianos se estender por toda a costa da Austrália do Sul e por uma boa parte da costa do estado da Austrália Ocidental, a população tem vindo a diminuir. A estimativa do número de adultos é de apenas 6500 indivíduos, de acordo com a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN). A captura acidental durante a pesca é uma das principais razões para a sua diminuição, adianta a IUCN.

As viagens submarinas dos leões-marinhos-australianos servem para a caça, estes mamíferos apanham peixes, lulas, polvos, lagostas, pequenos crustáceos, tubarões e até o pinguim-azul, o menor pinguim do mundo. As filmagens obtidas pelos cientistas mostram as viagens que estes animais fazem na procura de caça, onde descem até os 110 metros de profundidade.

Com aqueles registos, que são um olhar de um território a partir “da perspectiva de um predador”, como se lê no artigo, a equipa identificou seis tipos de habitats bentónicos: recifes de macroalgas, pradarias de macroalgas, zonas de areia nua, zonas com esponjas e areia, recifes com invertebrados e rochas com invertebrados. Com este primeiro mapeamento, com a ajuda da inteligência artificial, e com mais de duas décadas de pesquisa sobre as dinâmicas oceanográficas daquela região, os investigadores construíram um mapa abrangente do puzzle dos habitats que existem naquela região.

“Os leões-marinhos de ambas as localizações cobriram uma área bastante grande à volta das colónias”, referiu Nathan Angelakis. “Isto permitiu-nos modelar os habitats bentónicos ao longo de mais de 5000 quilómetros quadrados da plataforma continental.”