Espanha vai pagar 2 milhões de euros por ano pelo consumo de água da albufeira de Alqueva

Falta saber se a água que Portugal fornece há vários anos à região espanhola de Huelva também será paga. Há mais de duas décadas que Espanha capta ilegalmente dezenas de hm3 anuais.

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Extracção do volume de água a partir de Alqueva foi acordada entre Portugal e Espanha Nuno Ferreira Santos
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Cerca de 2 milhões de euros por ano é quanto Espanha irá pagar pelo consumo de 50 milhões de metros cúbicos, captados directamente na albufeira de Alqueva na região de Olivença, desde 2002, ano em que encerraram as comportas de meio-fundo da grande barragem do Sul. Este terá sido o montante acordado entre a ministra do Ambiente e Energia de Portugal, Maria da Graça Carvalho, e a ministra da Transição Ecológica e do Desafio Demográfico de Espanha, Teresa Ribera, durante a reunião que se realizou em Lisboa no dia 3 de Julho.

Na sequência desta decisão, competiu à Empresa de Desenvolvimento e Infra-Estruturas de Alqueva (EDIA) fazer as contas sobre a verba a pagar pelo consumo de cerca de 50 milhões de metros cúbicos, salientou à agência Lusa o presidente da empresa, José Pedro Salema. No dia 10 de Julho, ouvida no Parlamento, a ministra Maria da Graça Carvalho confirmou que a dívida de Espanha à EDIA pela água captada pelos agricultores espanhóis com origem na barragem alentejana, nos últimos 20 anos, é de 40 milhões de euros.

A ministra adiantou ainda que nas três reuniões já tidas com a sua homóloga espanhola, Teresa Ribera, ficou “bem claro” o interesse espanhol em contabilizar a dívida pela água do Alqueva e em ultrapassar o “mal-estar” gerado por estas captações ilegais das últimas duas décadas. “Estão todas georreferenciadas e foram contabilizados os valores” e dão cerca de “dois milhões de euros por ano”, o que corresponde, nos 20 anos, aos 40 milhões de euros, “que eram valores que já circulavam entre os agricultores do Alentejo”, confirmou então Graça Carvalho.

José Pedro Salema diz esperar que, no acordo a assinar entre os dois países, em Setembro, possa constar ainda “a regularização da captação espanhola no rio Guadiana, na zona do Pomarão, concelho de Mértola (Beja), e o projecto de uma nova captação, para o reforço do sistema Odeleite-Beliche, no Algarve”.

A extracção deste volume de água foi acordada entre Portugal e Espanha como forma de compensação pelo desaparecimento de 42 sistemas de bombagem de água instalados na margem direita do rio Guadiana.

Contudo, Portugal nunca foi ressarcido da água captada pelos agricultores espanhóis para irrigar áreas de cultivo, o que mereceu constantes protestos dos agricultores portugueses obrigados a pagar a água que consumiam na rega das suas explorações.

De entre as questões pendentes na área da água e da energia, acordadas entre a ministra do Ambiente e Energia de Portugal e a ministra da Transição Ecológica e do Desafio Demográfico de Espanha em Lisboa no dia 3 de Julho, para além do pagamento da água captada a partir da albufeira de Alqueva, foi ainda analisada a tomada de água no Pomarão, em Mértola, e a gestão dos caudais ecológicos do rio Tejo.

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Rega de campos de morangos na província de Huelva GettyImages

“[No caso dos caudais ecológicos do Tejo,] a base em que estamos a trabalhar é a da defesa dos ecossistemas do Tejo, procurando-se encontrar um equilíbrio constante que permita evitar o avanço da chamada ‘cunha salina’ neste rio”, vincou então Maria da Graça Carvalho.

O caso de Pomarão sem cobrança

Pedro Salema reconheceu ao PÚBLICO a existência de um prolongado contencioso, com mais de 20 anos, entre os dois países por causa da água captada no Pomarão que “funciona há muitos anos com uma autorização provisória caducada”, acrescentou.

O presidente da EDIA realçou ainda a sua preocupação sobre o volume de água que venha a ser captado no Pomarão para dar apoio às culturas regadas, sobretudo frutos vermelhos, na região de Huelva. “Se forem 30 hectómetros cúbicos (hm3) é uma coisa. Mas se forem 100, temos uma situação muito complicada [para a água armazenada em Alqueva].

Maria da Graça Carvalho realçou que o “entendimento, em linhas gerais, traduz-se, no caso do Pomarão, no princípio da equidade em termos dos volumes de água captados, em ambos os lados da fronteira”, ou seja, a água que será disponibilizada para Huelva será a mesma que o Algarve receberá a partir do sistema de captação a instalar no Pomarão.

O convénio de Albufeira que regula a gestão da água dos rios Minho, Douro, Tejo e Guadiana estabelece que o destino a dar à água obriga sempre à aceitação de Portugal e de Espanha.

O projecto de captação de água do rio Guadiana no Pomarão, no concelho de Mértola, estipula que o regime de funcionamento desta solução “prevê bombear água apenas sete meses por ano, entre Outubro e Abril”, parando “nos meses excepcionalmente secos ou quando, em acumulado, desde o início do ano hidrológico, for atingido um total anual de 30hm3”.

Pela leitura que o PÚBLICO fez na imprensa regional de Huelva e nos comunicados divulgados pelas associações de regantes desta província andaluza, a reivindicação pelo acesso à água de Alqueva aponta para a captação entre 75 e 150hm3, a partir do sistema que as autoridades espanholas instalaram, há mais de duas décadas, na confluência entre os rios Chança e Guadiana. Bem mais do que os 30hm3 que as autoridades nacionais admitem libertar.

O PÚBLICO solicitou um conjunto de esclarecimentos ao Ministério do Ambiente e Energia para, entre outras questões, saber que volume de água será enviado para Huelva e se também vai ser pago pelas autoridades espanholas. Até ao momento, não foi dada qualquer resposta às questões colocadas.