Venezuela inicia investigação contra líderes da oposição após apelos a militares

Procurador-geral viu indícios de vários crimes, de usurpação de funções a conspiração, no comunicado de Edmundo González e Corina Machado em que apelavam à “consciência” de militares e polícias.

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Na segunda-feira houve uma manifestação pró-Maduro em Caracas RONALD PENA R. / EPA
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A Venezuela vai abrir um processo criminal contra os líderes da oposição que disputaram as eleições do mês passado por alegadamente incitarem militares e polícias a violar a lei, anunciou o procurador-geral do país, enquanto as forças de segurança continuam a atacar pessoas que dizem ter cometido crimes violentos durante os recentes protestos eleitorais.

O anúncio do procurador-geral Tarek Saab foi feito na sequência de uma carta publicada na rede social X pelo candidato da oposição Edmundo González e pela dirigente María Corina Machado, apelando às forças de segurança para que "se coloquem ao lado do povo" e respeitem os resultados das eleições que dizem ter ganho.

"O Ministério Público da República Bolivariana da Venezuela informa ao país que, em consequência da divulgação de um comunicado do ex-candidato Edmundo González e da cidadã María Corina Machado onde, fora da Constituição e da Lei, anunciam falsamente um vencedor de as eleições presidenciais que não sejam as proclamadas pelo Conselho Nacional Eleitoral, único órgão habilitado para o efeito, e nas quais se faz um incitamento aberto aos responsáveis ​​policiais e militares para desobedecerem às leis, decidiu abrir uma investigação criminal contra ambos os signatários do documento inválido”, afirma a nota oficial.

Tarek Saab acrescenta que, no comunicado, são observados possíveis crimes como usurpação de funções, divulgação de informações falsas para causar ansiedade, instigação à desobediência às leis, instigação à insurreição, associação para a prática de crime e conspiração.

Já esta terça-feira, a União Europeia (UE) pediu ao governo da Venezuela que pare com "a campanha de intimidação judicial" contra os opositores. "Pedimos às autoridades que acabem com esta campanha de intimidação", declarou Peter Stano, porta-voz do chefe da diplomacia europeia Josep Borrell, insistindo que o bloco está "muito preocupado" com a evolução da situação na Venezuela.

A afirmação do Presidente Nicolás Maduro de que ganhou um terceiro mandato na votação de 28 de Julho desencadeou protestos furiosos dos venezuelanos em todo o país durante a última semana, exigindo que Maduro se demita e que a vitória de González seja honrada.

As forças de segurança venezuelanas começaram a visar os alegados autores de crimes violentos durante os protestos, numa operação informalmente designada por "tun-tun" (onomatopeia relativa ao bater à porta dos visados, o "truz-truz") que os grupos de defesa dizem ter deixado os manifestantes receosos.

Três grupos de defesa dos direitos humanos disseram à Reuters que as forças de segurança estão a trabalhar intensamente para capturar manifestantes, incluindo menores, que, segundo eles, não estão a ter acesso a advogados e que, em alguns casos, foram acusados de terrorismo. Maduro e outros responsáveis têm defendido o "tun-tun" como forma de atingir os responsáveis pela violência nos protestos, que descreveram como "criminosos fascistas".

"A operação tun-tun é o nome dado por alguns porta-vozes do governo, informalmente, à escalada da repressão", disse Gonzalo Himiob, vice-presidente do grupo de defesa legal Foro Penal. "Chama-se "tun-tun" porque é a pancada na porta que se dá de manhã cedo", disse.

Detenções em massa

A autoridade eleitoral da Venezuela, que a oposição diz favorecer os socialistas no poder, afirmou que Maduro foi reeleito com cerca de 51% dos votos, superando González. Na segunda-feira à noite, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) entregou à Câmara Eleitoral do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) as actas eleitorais, tal como solicitado.

A avaliação do material consignado vai estender-se por um período de até 15 dias, com possibilidade de prorrogação, segundo anunciou a presidente daquele órgão. A magistrada anunciou ainda que foram convocados todos os candidatos e representantes dos partidos políticos, entre eles Edmundo González, que deverá fazê-lo nesta quarta-feira.

A oposição diz que o seu próprio registo detalhado mostra que González recebeu provavelmente 67% dos votos, vencendo por uma margem de quase quatro milhões de votos e obtendo mais do dobro do apoio de Maduro, um resultado em linha com as sondagens independentes.

A Rússia e a China - entre outros - felicitaram Maduro como vencedor das eleições, mas a maioria dos países ocidentais hesitou, apelando à divulgação total dos resultados da votação. Já o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, disse na semana passada que havia "provas esmagadoras" da vitória de González e que Washington o reconhecia como o vencedor das eleições de domingo.

Em resposta a uma pergunta na segunda-feira sobre se os EUA estavam prontos para reconhecer um presidente interino da maneira que fizeram em 2019 com Juan Guaidó, o porta-voz do Departamento de Estado Matthew Miller disse: "Esse não é um passo que estamos a dar hoje".

O próximo mandato presidencial da Venezuela deverá ter início em Janeiro de 2025.

Maduro disse aos seus apoiantes no sábado que cerca de 2000 pessoas tinham sido detidas durante os protestos.

O Foro Penal disse na segunda-feira que confirmou 1.010 detenções e a Human Rights Watch, sediada nos EUA, informou que pelo menos 20 pessoas foram mortas.

Na carta conjunta assinada na segunda-feira, Gonzalez e Machado, um popular líder da oposição, escreveram: "Apelamos à consciência dos militares e da polícia e pedimos-lhes que se coloquem ao lado do povo e das suas próprias famílias". Mas os militares há muito que são leais a Maduro.

"Estou disposto a fazer qualquer coisa e conto convosco para que a ordem prevaleça", disse-lhes Maduro numa transmissão na televisão estatal no domingo.

O governo da Venezuela está a adoptar uma abordagem de linha dura, movendo-se rapidamente, para garantir que se mantém no poder, disseram grupos de defesa. "Manter-se no poder significa neutralizar e esmagar o descontentamento social", disse Oscar Murillo, coordenador do grupo local de direitos Provea.

O gabinete do procurador-geral negou que os detidos fossem manifestantes, rotulando-os de criminosos violentos por actos de vandalismo, incluindo a destruição de estátuas do falecido presidente Hugo Chávez, o mentor de Maduro. Segundo as autoridades venezuelanas, foram mortos dois militares.

Mais tarde, na segunda-feira, Maduro disse que deixaria o WhatsApp e passaria a usar o Telegram, incentivando outros a fazer o mesmo e dizendo que o primeiro estava a ser usado para ameaçar as famílias de soldados e polícias.

Notícia actualizada às 15h15 com a posição da Comissão Europeia