Luxo, diamantes e Cannes: meio minuto bastou para o “assalto do século”

Num cenário charmoso e cinematográfico, um roubo tão misterioso como nos filmes de Hitchcock.

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José Alves
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Mistérios por Arquivaré uma série de textos sobre crimes nunca resolvidos do P2 de Verão 2024. Porque os casos até podem estar arquivados, mas o mistério não prescreve.


Fazer o relato do crime talvez demore um pouco mais do que o crime em si. Às 11h31 de um domingo, 28 de Julho de 2013, um homem entrou numa sala do Hotel Carlton, em Cannes, armado apenas com uma pistola. Menos de 30 segundos depois desapareceu por uma janela, levando consigo 72 jóias no valor de 103 milhões de euros, e perdeu-se-lhe o rasto até hoje.

Numa terra de cinema, o mais cinematográfico dos assaltos. É verdade que lhe falta alguma espectacularidade hollywoodesca, e até o charme de um Cary Grant a desfilar pela Croisette com Grace Kelly exibindo o seu colar de diamantes, mas há aqui suficiente matéria-prima para um policial razoável. Seria apenas preciso ficcionar um final feliz, porque neste momento não se vislumbra um real.

A exposição Extraordinary Diamonds, do joalheiro israelo-uzbeque Lev Leviev, decorria há uma semana numa sala do rés-do-chão do Carlton. Naquele dia, as jóias foram retiradas do cofre do hotel por volta das 11h30 e transportadas para o local em que seriam exibidas, mas uma parte não chegou a sair dos sacos. Como mais tarde mostraram as imagens de videovigilância reveladas pelo jornal regional Nice-Matin, o ladrão entrou na sala, fez com que os vigilantes se deitassem no chão, pegou numa mala e em dois tabuleiros com jóias e saiu calmamente. Tinha um boné na cabeça e a cara tapada.

Contas feitas, desapareceram 72 peças, 34 das quais consideradas excepcionais — pela sua perfeição e a valer “vários milhões de dólares cada uma”, afirmou na altura uma fonte judicial ao jornal Sud Ouest. Na lista de bens roubados estavam um anel de platina com um diamante de 55 quilates, um colar com 45 diamantes e 44 safiras, um anel com uma esmeralda de 30 quilates, um colar com 151 diamantes, um broche de diamantes… A imprensa francesa não teve dúvidas e chamou-lhe “o assalto do século” em Cannes estatuto que ainda mantém.

O ano de 2013 foi particularmente profícuo para os ladrões de jóias da Riviera francesa. Durante o festival de cinema tinha já havido roubos de peças em dois hotéis luxuosos, o Novotel e o Hotel du Cap-Eden-Roc, mas ambos ficaram longe da dimensão e mediatismo alcançados no assalto do Carlton, também ele uns quantos furos acima em história, em visibilidade, em charme dos congéneres.

A porta por onde o assaltante entrou dá directamente para um terraço exterior. “Normalmente está trancada, deveria estar trancada naquele momento, mas ele conseguiu abri-la”, constatou em 2013 uma fonte judicial à AFP. Teria sido alguém do próprio hotel, com conhecimento das rotinas da exposição, a realizar o assalto? Ou a passar essa informação a uma pessoa externa? Talvez um rival de Leviev? Ou terá sido o próprio Leviev a encenar o roubo para poder receber o dinheiro do seguro e colocar os mesmos diamantes, já retrabalhados, à venda mais tarde? Vários departamentos da polícia francesa e até o FBI exploraram diversas teorias ao longo dos anos.

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Para incentivar possíveis informadores a aparecerem, a seguradora Lloyd’s anunciou uma recompensa de um milhão de euros a quem ajudasse a recuperar as jóias. Apareceu quem dissesse que as peças estavam na América. Um detective privado americano ouvido em 2019 pela Entertainment Weekly afirmou ter sabido que o assalto fora obra do gang Panteras Cor-de-rosa, dos Balcãs, para onde os diamantes teriam sido levados.

A Lloyd’s ressarciu Lev Leviev em cerca de 73 milhões de euros, mas depois recorreu ao Tribunal de Comércio de Cannes para que o Carlton, os organizadores da exposição e a empresa de segurança do hotel lhe pagassem a mesma quantia. A seguradora alegou, e todas as partes concordaram, que o dispositivo de segurança não era suficiente para o evento. “Não era difícil ter alguém cá fora a evitar que [o assalto] acontecesse”, concluiu John Shaw, investigador contratado pela Lloyd’s, em declarações à Entertainment Weekly. E acrescentou: “É um mistério como é que a porta para a sala estava destrancada e é pena que o hotel, à data, não soubesse de todas as chaves.”

Em 2023, dez anos depois do assalto, o tribunal acabaria por dar em parte razão à Lloyd’s, condenando o Carlton e a empresa de segurança a pagarem, cada um, 7,7 milhões de euros à seguradora.

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