Primeira-ministra do Bangladesh demite-se e foge do país

Sheikh Hasina era primeira-ministra desde 2009, tendo fugido do país esta manhã devido ao intensificar dos protestos em Daca.

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Protestos intensificaram-se nos últimos dias, levando à demissão e fuga da primeira-ministra do Bangladesh MONIRUL ALAM / EPA

A primeira-ministra do Bangladesh Sheikh Hasina demitiu-se do cargo e fugiu do país, devido ao intensificar dos protestos contra o governo que começaram devido à tentativa de reposição das quotas na função pública para veteranos da guerra da independência e os seus descendentes. O chefe do exército anunciou a formação de um governo interino, mas sem incluir o partido de Hasina.

Desde o início de Julho já morreram quase 300 pessoas durante os protestos. Domingo foi um dos dias mais mortíferos desde o início dos protestos com o governo a decretar recolher obrigatório e a cortar vários serviços de Internet.

A notícia da fuga foi avançada pela BBC Bangla, que afirma que Sheikh Hasina aterrou de helicóptero na cidade indiana de Agartala, na fronteira da Índia com o Bangladesh.

O general e chefe do Exército do país Waker-Uz-Zaman anunciou que um governo interino iria ser formado nos próximos dias e que tinha falado com vários partidos com vista à formação desse governo, porém deixando de fora a Liga Awami, partido de Sheikh Hasina dominante no Bangladesh desde 2009 e um dos dois principais partidos do país.

No discurso emitido pela televisão do país, o general pediu calma nas ruas e assegurou que haveria justiça por cada uma das mortes no país.

"O país sofreu muito, a economia foi afectada, muitas pessoas foram mortas. É altura de pôr termo à violência", afirmou o chefe do exército.

Esta manhã, os manifestantes, que tinham marcado uma marcha em Daca com destino à residência oficial de Sheikh Hasina para pedir a sua demissão, terão invadido a residência, com a televisão do país a mostrar imagens de manifestantes com mobília da residência.

Depois da fuga de Hasina, os manifestantes queimaram a sede da Liga Awami na capital do país, assim como outros edifícios do partido que governava o Bangladesh enquanto citavam palavras de ordem contra a primeira-ministra e contra o partido. Os protestos desta segunda-feira, segundo noticia o jornal bangladeshiano Daily Star, causaram a morte de seis pessoas.

Uma fonte citada pela AFP afirma que a primeira-ministra deixou a residência oficial de Gono Bhaban para ir para "um local mais seguro", tendo acrescentado que a primeira-ministra planeava gravar um discurso mas que não teve oportunidade de o fazer.

A medida com vista à reposição das quotas na função pública no Bangladesh, que entretanto tinha sido abandonada pelo Governo do país, foi o rastilho que rebentou a insatisfação generalizada, especialmente na população jovem do país, devido aos níveis elevados de desemprego jovem.

Sheikh Hasina, filha do primeiro Presidente do Bangladesh e pai fundador do país Sheikh Mujibur Rahman, ocupava o cargo de primeira-ministra desde 2009, tendo tido um mandato também entre 1996 e 2001.

Já Waker-Uz-Zaman, que agora parece assumir os comandos do país de forma interina, trabalhou de perto com Hasina no gabinete do Exército mais próximo do Governo e assumiu o cargo de chefe do Exército há seis meses.

O Exército do Bangladesh tem historial no que toca a golpes e contragolpes de estado. Só em 1975, quatro anos depois do país se ter tornado independente, houve três golpes militares. Desde 2011 que não havia uma tentativa de golpe de estado e o último golpe militar bem-sucedido foi em 2008, que terminou com a realização de eleições ganhas pela Liga Awami e Sheikh Hasina.

Protestos contra quotas evoluíram para algo maior

Estabelecidas logo depois da independência, Sheikh Mujibur Rahman estabeleceu as quotas para os veteranos da guerra contra o Paquistão, como agradecimento pelo serviço prestado.

O sistema de quotas aí criado, porém, foi se prolongando no tempo, tendo-se estendido aos filhos e netos desses mesmos veteranos em 1997. Altamente impopular entre os estudantes, um movimento pela reforma deste sistema de quotas causou o eclodir de fortes protestos em 2018, que causaram a morte de perto de 200 pessoas. Apesar das intenções dos protestos terem sido só por uma reforma, Sheikh Hasina aboliu completamente as quotas na função pública, uma medida que também não foi popular entre os jovens.

Em Junho deste ano, um tribunal superior do anulou a abolição das quotas e decidiu restabelecer o sistema de 2018, levando as pessoas para as ruas a pedirem novamente o fim das quotas. Hasina, comentando sobre o fim das quotas, recusou aboli-as novamente e chamou aos que protestavam contra as quotas de "Razakars", termo insultuoso que era utilizado para descrever os bangladeshianos que colaboraram com as forças paquistanesas na guerra da independência.

Estas afirmações enfureceram ainda mais os manifestantes, maioritariamente estudantes, que não saíram das ruas, mesmo quando Hasina desistiu de manter as quotas. As palavras de ordem passaram de exigir o fim das quotas para um pedido de desculpas pelas mortes provocadas pela acção policial e, rapidamente, evoluíram para um pedido da demissão da primeira-ministra.

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