Fósseis de sementes, madeira e insectos na Gronelândia reforçam alerta para o risco de degelo

Sementes, pequenos pedaços de madeira e de insectos foram encontrados em amostras retiradas na Gronelândia e mostram que o gelo central daquela ilha terá um máximo de 1,1 milhões de anos.

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Macrofósseis de plantas extraídos da amostra de tilito retirado no centro da Gronelândia pelo projecto GISP2 Halley Mastro
Greenland ice sheet 30 minutes east of Upernavik.  First landing site.  Little Ice age moraines.  Nunatak in the distance is the one we visited.
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A paisagem da Gronelândia Paul Bierman
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A três quilómetros de profundidade, no centro da Gronelândia, por baixo de toneladas e toneladas de gelo acumulado ao longo de centenas de milhares de anos, existem fósseis de sementes de papoila, pedacinhos de madeira de salgueiro, partes de insectos e vestígios de fungos. Estas amostras de matéria biológica terão no máximo 1,1 milhões de anos. Além de serem uma porta de entrada para uma Gronelândia quase liberta de glaciares, estes vestígios reforçam a ideia de que os grandes glaciares que hoje cobrem aquela ilha são mais vulneráveis do que se pensava, aumentando o risco de se transformarem em água dos oceanos e fazerem subir o nível médio do mar em mais de seis metros no contexto das alterações climáticas.

“Agora temos a prova directa de que não só o gelo se foi, como as plantas e os insectos estavam a viver lá. E isto é inatacável. Não é necessário apoiar-nos em cálculos ou modelos”, disse Paul R. Bierman, investigador da Universidade do Vermont, nos Estados Unidos, e co-líder com a investigadora Halley Mastro do estudo publicado esta segunda-feira na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS).

O trabalho segue os passos de investigações recentes que questionam a teoria e os modelos que defendiam que nos últimos milhões de anos a maioria do gelo da Gronelândia manteve-se estável.

Com cerca de um quarto do tamanho do Brasil, a Gronelândia é o segundo maior armazém de gelo do planeta, a seguir às enormes geleiras que cobrem a Antárctida, capaz de fazer subir o nível médio da água do mar em vários metros.

No centro da Gronelândia, onde foram encontrados os fósseis, o gelo tem uma altura superior a três quilómetros. Em 1993, o Projecto da Camada de Gelo da Gronelândia 2 (GISP2, sigla em inglês), dos Estados Unidos, conseguiu retirar 3053,44 metros de amostras em profundidade ao longo de cinco anos no centro da ilha, chegando à base do gelo e penetrando ainda mais 1,55 metros na rocha que estava por baixo.

Este pedaço de rocha permitiu, em 2016, a análise de isótopos nos minerais que ficam na interface entre o gelo e a rocha. Os isótopos de certos elementos, como o berílio e o alumínio, são criados quando partículas cósmicas atingem a superfície das rochas. Mas para isso é necessário que não exista gelo por cima da rocha que, estando presente, impede o contacto das partículas cósmicas com os minerais. De qualquer forma, o rácio entre isótopos daqueles elementos permite fazer estimativas sobre quando é que a rocha não estava tapada por gelo.

Aquele cálculo possibilitou uma equipa de investigadores em 2016 inferir que a camada de gelo da Gronelândia teria no máximo 1,1 milhões de anos, “assumindo que isto foi precedido por mais de 280.000 anos de condições livres de gelo”, lê-se no resumo do artigo publicado em 2016 na revista Nature, cujo primeiro autor foi Joerg M. Schaefer, da Universidade Columbia, de Nova Iorque. Outra possibilidade é que tenha havido períodos mais curtos de solo descoberto intercalado por temporadas com o gelo a cobrir aquela região da Gronelândia.

Em ambos os casos, a ideia de uma estabilidade dos glaciares na Gronelândia durante o Pleistocénico, a época geológica iniciada há 2,58 milhões de anos, marcada por uma grande idade do gelo, com períodos cíclicos de temperaturas mais baixas, ficava posta em causa.

Três anos depois, a equipa de Paul R. Bierman analisou amostras de gelo retiradas na década de 1960, em Camp Century, numa região perto da costa no Noroeste da Gronelândia. Os investigadores descobriram elementos biológicos como sementes e pedacinhos de madeira que estavam a 1,4 quilómetros de profundidade por baixo do gelo. A existência deste material biológico revelava que o gelo naquela região tinha derretido algures nos últimos 416.000 anos, de acordo com um artigo publicado em 2019 na PNAS.

Fósseis belos

“Assim que fizemos a descoberta em Camp Century, pensámos, ‘o que será que existe na base do GISP2’”, recordou Paul R. Bierman, citado num comunicado da Universidade de Vermont. Apesar de já se ter feito muita investigação a partir daquelas amostras de gelo do centro da Gronelândia, “ninguém olhou ainda para os 7,5 centímetros de tilito para ver se [este conglomerado de origem glaciar] tem solo e se contém restos de plantas ou insectos”, acrescentou.

A resposta foi um sim. “A ilha era quente o suficiente, durante um período de tempo suficiente, para que se tenha estabelecido um ecossistema de tundra completo, que talvez contivesse árvores atrofiadas, numa região onde hoje o gelo tem três quilómetros de altura”, lê-se no comunicado. O facto de os fósseis encontrados estarem tão bem preservados torna muito improvável que tenham uma origem mais remota, de um período interglacial anterior, argumenta a equipa no novo artigo da PNAS.

De acordo com as espécies encontradas, a temperatura da região poderia variar entre um e os dez graus Celsius em Julho, quando a neve do Inverno derretia. “Estes fósseis são belíssimos”, referiu o investigador, “mas, sim, vamos de mal a pior”, admitiu, trazendo de volta a questão das alterações climáticas e o papel do aumento médio de temperatura da Terra no derretimento da criosfera em todo o planeta. “Olhe para Boston, Nova Iorque, Miami, Bombaim ou uma cidade costeira à escolha e acrescente mais de seis metros de água média do mar”, antecipou Paul R. Bierman. “Vai para debaixo de água.”