Na ginástica, Rebeca teve de assumir a grandiosidade de Simone

A brasileira percebeu que seria demasiado difícil bater Biles – mesmo com a sua nova criação – e optou pela prudência de ser a melhor entre as comuns mortais. E isso não é desonra alguma.

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Rebeca Andrade e Simone Biles em Paris Mike Blake / REUTERS
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Neste sábado, na Arena Bercy, que tanta magia já viu nestes Jogos Olímpicos, a brasileira Rebeca Andrade tinha de ter um plano especial. Era a única forma de ser campeã olímpica de salto, na ginástica artística, porque estava a competir com a melhor ginasta da história. Mas não conseguiu, já que preferiu não arriscar tanto e garantir a prata – e quem a pode criticar? Mas já lá vamos.

Primeiro, Biles. Lidar com Simone Biles é lidar com um nível muito especial de grandiosidade e, por especial que também seja o plano para a derrubar, parece sempre pouco. E é mesmo – a norte-americana correu, saltou, aterrou, sorriu, agradeceu e colheu os aplausos de quem sabe que talvez não veja mais nada como aquilo nas próximas décadas.

A americana fez o seu habitual Biles II, de 6,4, e a seguir um salto menos sobrehumano, mas ainda assim de 5,6. Acertou os dois, aterrou nos dois e teve duas notas altíssimas – e em ambos os saltos já estava a sorrir antes de terminar a recepção, o que atesta a confiança com que faz coisas deste tipo.

Roça a heresia minimizar ou retirar foco a uma vitória de Biles, mas é a sina de quem vence tanto – a dada altura, o foco está em ver que tipo de réplica dão as adversárias, mais do que em saber se há ou não vitória.

Vamos, portanto, falar de Rebeca Andrade.

Uma prata na mão

A brasileira ficou com a prata e fez o que podia. Para este sábado, a única forma de vencer seria a ginasta apresentar ao mundo o seu novo salto – um Yurchenko triple twist, uma variante do que costuma fazer, mas com tripla pirueta, em vez de “apenas” dupla.

Porquê? Porque fazendo o que fez sempre nestes Jogos, com um grau de dificuldade de 5,6, dificilmente venceria Biles – teria de ser perfeita no dela e esperar um desastre da americana, que parte com um salto de 6,4, o mais difícil do código de pontuação da ginástica.

Rebeca tinha, portanto, de levar aos juízes a sua nova criação, inédita na ginástica, que vai aos 6,0. Seria ainda abaixo do de Biles? Sim. Mas seria a única forma de, contando com um pequeno deslize de Biles, poder equilibrar a nota final da execução.

Mas não quis. O salto era de nível de dificuldade altíssimo e tentar algo assim, sem sucesso, seria correr o risco de dizer adeus à prata – e ao bronze.

A brasileira percebeu que a probabilidade de bater Biles era muito baixa – mesmo com a sua nova criação – e que, por isso, seria mais prudente assegurar a melhor posição entre as comuns mortais. E quem pode criticá-la? Ser a melhor do planeta, a seguir a Biles, não é desonra alguma. E Rebeca sabe disso.

Fica para outro dia

Na Bercy Arena, na capital gaulesa, havia grande expectativa sobre se a brasileira iria tentar o salto que tinha vindo a guardar para a final. “Não sei se é carta na manga. Toda a gente sabe que eu anunciei que ia saltar triplo, mas vai depender muito de como vou estar no dia. Se eu chegar aqui no sábado e me sentir excelente, pode ser que faça. Mas posso sentir-me excelente e também não fazer. Temos de colocar na balança e ver o que vale a pena fazer”, disse a brasileira, antes da prova.

Acabou por decidir ir pela segurança e, quando a brasileira acabou os seus saltos, Biles fez um sorriso que a denunciou. Notava-se que a americana sabia que, não sendo Rebeca, não seria mais ninguém. Ainda faltavam atletas, mas o ouro era dela.

O “Andrade”, como se chamará o salto quando Rebeca for a primeira a fazê-lo, vai, assim, ficar para outro dia. Este será o segundo salto mais difícil do código de pontuação da ginástica artística feminina, só superado pelos 6,4 atribuídos ao Biles II. Não foi agora, mas há-de ser. O problema de Rebeca é apenas a existência de Simone Biles.

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