Nanoplásticos e a plastinação da vida

É altura de reconhecer os nanoplásticos não apenas como um desafio científico, mas como um imperativo ético e social para a sustentabilidade da vida no nosso planeta.

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A exposição aos micro e nanoplásticos é atualmente inevitável, devido à sua abundância global e persistência ambiental. A cada dia que passa, a concentração destas partículas invisíveis e nefastas aumenta.

Numa rápida pesquisa na Internet, facilmente encontramos imagens de cadáveres humanos e animais preservados por uma técnica conhecida como “plastinação”. Esta técnica, que substitui os fluidos corporais por substâncias sintéticas à base de plásticos, é amplamente utilizada para criar modelos anatómicos detalhados, não só para fins educativos, mas também para exposições, muitas vezes eticamente questionáveis, realizadas em vários locais do mundo.

A analogia entre estes processos de preservação de cadáveres e a realidade crua de um presente e futuro em que os nanoplásticos estão cada vez mais integrados nos nossos corpos é uma imagem poderosa e perturbadora. Estaremos, lenta, involuntária e silenciosamente, a tornar-nos espécimes plastinados em vida?

Um estudo científico recente, publicado na prestigiosa revista The New England Journal of Medicine, lançou uma luz inquietante sobre a relação entre os plásticos de pequenas dimensões, conhecidos como micro e nanoplásticos, e as doenças cardiovasculares. Os pacientes com placas de ateroma contendo essas minúsculas partículas de plástico apresentaram um risco significativamente mais elevado de sofrer enfarte do miocárdio, acidente vascular cerebral ou, morte. Este estudo, que envolveu cerca de 300 pacientes, é uma das provas mais sólidas do impacto nocivo destas partículas de plástico na saúde humana.

A crescente atenção dada aos nanoplásticos reflete-se no aumento exponencial de publicações científicas, impulsionado pela recente consciencialização dos riscos que representam para os ecossistemas e para a saúde humana. Os estudos científicos que implicam, com diferentes níveis de confiança, os nanoplásticos em doenças têm-se multiplicado nos últimos anos, não se limitando apenas às doenças cardiovasculares. As investigações sugerem que os micro e nanoplásticos podem induzir diversos tipos de danos nas células e tecidos e aumentar a vulnerabilidade a alergias, doenças autoimunes e mesmo certos tipos de cancro.

No entanto, há ainda muitas incógnitas e desafios na investigação destas partículas. Devido à sua pequena dimensão, os nanoplásticos parecem entrar facilmente nas cadeias alimentares e acumular-se nos tecidos dos organismos vivos, incluindo seres humanos. Ainda não há conhecimento suficiente sobre o modo como os micro e nanoplásticos se translocam para as células, órgãos e tecidos humanos. Não obstante, alguns modelos propostos sugerem a translocação direta para a circulação após ingestão ou inalação.

A produção em larga escala e a eliminação inadequada de plásticos têm sido um problema ambiental que assombra o nosso planeta há décadas. A descoberta recente da problemática da contaminação por micro e nanoplásticos torna este problema antigo cada vez mais alarmante. Os micro e nanoplásticos resultam principalmente da degradação ambiental dos resíduos de plástico que ficaram durante anos em lenta degradação, um processo impulsionado por fatores como as forças implacáveis do clima, a ação mecânica da água, a radiação ultravioleta ou o metabolismo biológico.

Micro e nanoplásticos foram encontrados em vastos habitats marinhos, de água doce e terrestres. Eles podem estar na água que bebemos, nos alimentos que comemos e até no ar que respiramos, expondo a maioria dos organismos a estas partículas. Enquanto isso, a produção mundial de plástico, impulsionada pela nossa dependência insaciável, continua a aumentar, resultando em mais resíduos de plástico e, consequentemente, em mais micro e nanoplásticos a contaminar o nosso ambiente.

Este é um cenário que nos deve fazer agir. Precisamos de reconhecer e enfrentar esta ameaça. É obrigatório corrigir erros do passado e investir muito mais em ações de remoção de plásticos do ambiente. É fundamental que tomemos medidas imediatas para reduzir a nossa dependência do plástico e promover métodos de reciclagem e de gestão de resíduos que sejam eficazes a evitar a produção de micro e nanoplásticos. É essencial continuar a incrementar a investigação para compreender os efeitos dos nanoplásticos nos ecossistemas e saúde e encontrar formas de mitigar os seus impactos.

Enquanto sociedade, temos de enfrentar esta ameaça invisível com ações de colaboração global. Os nanoplásticos são um problema que transcende as fronteiras e exige uma resposta unificada. É altura de reconhecer os nanoplásticos não apenas como um desafio científico, mas como um imperativo ético e social para a sustentabilidade da vida no nosso planeta.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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