Excesso de calor mata anualmente 18.970 trabalhadores a nível mundial, diz OIT

Relatório revela que número de trabalhadores expostos ao calor em excesso na Europa e na Ásia Central aumentou 17% desde 2000. É preciso “medidas para proteger os trabalhadores”, diz António Guterres.

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Trabalhadores no Alentejo, uma das regiões mais quentes em Portugal Rui Gaudêncio
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O número anual de pessoas que morre devido ao excesso de calor no contexto laboral é de 18.970 indivíduos, de acordo com um relatório da Organização Internacional de Trabalho (OIT) divulgado recentemente. O documento sublinha que “devem ser aplicadas medidas preventivas contra o stress térmico com carácter de urgência”, lê-se no sumário executivo do relatório da organização pertencente à Organização das Nações Unidas.

Ao todo, cerca de 71% dos 3,4 mil milhões de trabalhadores em todo o mundo sofre de exposição a excesso de calor, diz o documento, citando um relatório de Abril da própria OIT, que abordava os perigos do trabalho num mundo de alterações climáticas, onde o calor em excesso é um dos problemas.

O novo relatório – “Calor no trabalho: implicações para a segurança e a saúde” – aprofunda o tema do stress térmico, caracterizando-o, fazendo um diagnóstico do que se passa a nível mundial e apresentando linhas de orientação que os governos dos países poderão aplicar, em diálogo com empregadores, sindicatos e trabalhadores.

Desde logo, a grande maioria dos trabalhadores expostos ao excesso de calor vive em África, na Península Arábica e na Ásia e Pacífico (nas contagens do relatório, o continente asiático está dividido ao meio, a Ásia Central junta-se à Europa, e a região do Irão às Coreias junta-se à Oceânia). No entanto, entre 2000 e 2020, a região Europa e Ásia Central foi a que mais aumentou o número de trabalhadores expostos ao excesso de calor em percentagem – 17,3%.

Anualmente, há 22,85 milhões de casos de problemas de saúde em trabalhadores devido ao stress térmico. Apesar disso, apenas uma minoria destes casos ocorre durante uma onda de calor – definida como um “intervalo de pelo menos seis dias consecutivos” em que “a temperatura máxima diária é superior em cinco graus Celsius ao valor médio diário no período de referência” para uma dada região, de acordo com o Instituto Português do Mar e da Atmosfera.

Isto significa que o cuidado em relação ao stress térmico ao nível laboral não pode estar apenas associado às ondas de calor, mas durante todos os períodos de calor excessivo, principalmente no contexto cada vez mais agudo das alterações climáticas. “As alterações climáticas já estão a ter um impacto severo na segurança e na saúde dos trabalhadores”, lê-se no relatório, que recorda que muitos trabalhadores não têm alternativa e não podem dar-se ao luxo de não trabalhar devido ao risco de estarem expostos ao stress térmico.

“Tudo isto está a ter um impacto profundo nas pessoas e na economia”, disse António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas, numa videoconferência realizada no mesmo dia em que o relatório foi publicado. O documento calcula ser possível poupar 330,85 mil milhões de euros (361 mil milhões de dólares, no original) se forem aplicadas medidas de saúde e de segurança do trabalho para evitar problemas de saúde associados ao excesso de calor.

“Necessitamos de medidas para proteger os trabalhadores, assentes nos direitos humanos, e temos que assegurar que as leis e os regulamentos reflectem a realidade do calor extremo de hoje e que são aplicadas”, afirmou Guterres.

Estratégias contra o calor

O excesso de calor pode ter múltiplos efeitos imediatos no corpo de quem trabalha, desde uma sensação de exaustão, passando por um golpe de calor até provocar a morte. Mas o impacto na saúde pode ocorrer a longo prazo passando por “doenças crónicas debilitantes, com impacto nos sistemas cardiovasculares e respiratórios, como também nos rins”, de acordo com o relatório.

Há vários grupos de pessoas que estão particularmente vulneráveis a estas condições como os migrantes e trabalhadores informais, as mulheres grávidas, as pessoas que trabalham no interior de edifícios sem ventilação e os trabalhadores que estão no exterior e realizam actividades que requerem esforço físico, enumera o relatório.

Neste contexto, os peritos da OIT foram olhar para a legislação de 21 países direccionada para o problema do stress térmico no contexto laboral. Entre os países analisados estão a Espanha e a Grécia que nos últimos anos elaboraram nova legislação para este problema.

O relatório assinala linhas de acção comuns entre os 21 países como: estratégias direccionadas para alguns dos grupos de risco mencionados acima; estratégias para hidratar os trabalhadores e instalações sanitárias adequadas, principalmente para as mulheres; a aplicação de momentos de descanso, pausas e alterações de calendário para evitar o calor em excesso; a disponibilização de áreas de descanso frescas ou com ventilação; a educação e a consciencialização dos trabalhadores em relação ao stress térmico e às consequências deste problema para a saúde; a monitorização regular da saúde dos trabalhadores.

Além da urgência das necessidade das acções, parte das “lições-chave aprendidas” passa pelas estratégias acima descritas, refere o relatório. “Muitas práticas de protecção a nível dos locais de trabalho podem ser simples e acessíveis a nível económico”, refere o relatório, que sublinha a importância do diálogo social entre as várias partes interessadas, desde o empregador, passando por trabalhadores e os representantes destes.

O documento recorda ainda que as estratégias passadas de segurança estão desactualizadas: “Apesar da presença de leis e regulamentos direccionados para salvaguardar os trabalhadores do stress térmico, muitas delas foram estabelecidas no passado, frequentemente com requisitos básicos que falham em responder às complexidades do desafio contemporâneo do stress térmico.” Ou seja, para novos tempos, serão necessárias novas medidas.

O PÚBLICO tentou saber junto do Ministério do Ambiente e Energia se, a nível do Governo, estão a ser pensadas novas estratégias para a protecção dos trabalhadores em relação ao excesso de calor. Mas não recebeu nenhuma resposta até à publicação desta notícia.