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Nos Jogos Olímpicos, os cavalos sofrem ou são felizes?

João Paulo Marques trata da saúde dos cavalos que competem no equestre. E assume ao PÚBLICO que está sob maior pressão em Paris, estando tão fresco o caso da campeã que chicoteou um cavalo.

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Charlotte Fry, cavaleira britânica Zohra Bensemra / REUTERS
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É de manhã, no Palácio de Versalhes, nos arredores de Paris. Está um calor de morte, há poucas sombras e não corre vento. No hipódromo, cavalos exibem o seu talento nestas condições, sob o olhar atento e o silêncio inegociável dos fãs da modalidade. Os bichos estão a sofrer? Com o calor, talvez – quem não? Com a presença nos Jogos Olímpicos, talvez estejam – ou talvez não estejam.

O tema é complexo, porque não é possível obter uma boa resposta da parte do animal. Falemos, portanto, com quem consegue falar com eles, salvo seja.

João Paulo Marques está em Paris como fisioterapeuta escalado para dar apoio aos cavalos nas modalidades equestres. E reconhece ao PÚBLICO que no tema do sofrimento versus felicidade do cavalo “há subjectividade”. Garante, ainda assim, que da sua experiência crê que eles estão bem.

“Não sou especialista em área comportamental, mas, falando abertamente do meu contacto com os cavalos, eu entro na box, estamos os dois e relaxamos os dois. Portanto, lido também com a parte comportamental, que muitas vezes tem causa física. E consigo dizer que, de forma geral, os cavalos são bem tratados e não havendo falhas, que acontecem, eles estão bem. Se tudo for bem feito o cavalo não está em sofrimento.”

O “tudo for bem feito” e “não haver falhas” significa, para João Paulo Marques, que as regras de bem-estar do equídeo são cumpridas à risca – pela organização, pelos tratadores e pelos cavaleiros. E as regras existem desde o tipo de material a ser usado até às suspeitas de feridas ou lesões.

“Os materiais podem magoar, sim, se forem usados os produtos errados. Há um documento com guidelines com o que é permitido e não é permitido”, explica. E detalha: “Se o cavalo tem qualquer vestígio de sangue, a prova é logo interrompida e é avaliado se é sangue ou não. Até pode ser da mera picada de um mosquito, mas o cavalo é logo eliminado”, explica.

Um cavalo que dança

Vamos a factos. Nesta modalidade, e sobretudo na vertente de dressage [ensino], o cavalo deve seguir as instruções do cavaleiro, mostrando que está sob uma submissão consentida, com movimentos perfeitos, fluidos e elegantes no trote, no passo, no galope, no passo cruzado, na paragem, no passo à retaguarda, entre outras valências. No fundo, deve tornar-se um cavalo que dança, porque tudo isto é feito ao som de uma música instrumental de baixo volume, mas importante em toda aquela exibição.

Há evidentes limitações posturais que são impostas ao cavalo – durante os minutos de prova, mas também durante as largas horas de treino que devem enfrentar para poderem estar ali, entre os melhores do mundo.

Há, portanto, um pedido contranatura feito ao cavalo? Há um esforço demasiado grande, por exemplo na região do pescoço, que se mantém tenso e dobrado durante tantas horas?

João Paulo Marques volta a argumentar com os excessos. “Tem havido vários estudos para determinar o grau de flexão e hiperflexão e até que ponto é excessivo. Mas há regras para que esse grau não seja ultrapassado. Um cavaleiro a abusar das 'ajudas' de mãos nas rédeas ou pernas, por exemplo. Algo que pareça menos correcto é monitorizado.”

O português reconhece que “a dressage tem estado na “mira” pública, porque há controvérsia” e, questionado sobre se isso coloca mais pressão no trabalho, em Paris 2024, assume que sim, mas que isso não impacta a tarefa. “Sim, coloca mais pressão. Não quer dizer que tenha implicações práticas, mas coloca. Em toda a gente que trabalha neste meio coloca pressão, para não que ocorram mais casos desses.”

Chicotes são excepção, não são regra

Com “casos desses”, João Paulo Marques estava a recuar na conversa com o PÚBLICO, indo buscar o tema de Charlotte Dujardin, cavaleira seis vezes medalhada olímpica que foi excluída dos Jogos por ter vindo a público um vídeo a chicotear o cavalo num treino. E, apesar de não querer abordar o caso particular, não crê que seja algo recorrente.

“Eu penso que não é comum, especialmente em cavaleiros de alta competição. A este nível não é comum. Ainda assim, como em qualquer competição, há diferentes tipos de pessoas e pessoas que cometem excessos. E há procedimentos para identificar essas pessoas. Os cavalos aqui são mais escrutinados, estando em competição, do que em qualquer outro lugar.”

E avança que, para estes Jogos Olímpicos, “foi introduzida a figura do veterinário de welfare, cuja única função é andar por aqui a monitorizar os cavalos, para se assegurar do bem-estar deles”.

O português não trata dessa parte, mas fica com o pelouro das terapias. “Quem quiser os meus serviços, individuais ou equipas, pode recorrer a mim – por exemplo, quem não traz fisioterapeuta por falta de budget. Alguns cavalos já vêm sinalizados com terapias habituais, outras vezes dizem-me apenas 'faça uma avaliação, veja o que acha. Sinto o cavalo desconfortável'. E eu entro nessa avaliação e nas terapias que forem necessárias, como acupunctura, massagens, lazer, etc.”.

Em suma, o fisioterapeuta português está a tratar dos animais e aponta que os movimentos e posturas pedidos aos cavalos, se não forem feitos com exageros, não trazem problemas ao bicho.

Esclarecidas as questões posturais e de saúde do cavalo, que estarão salvaguardadas, resta a questão ética de utilização de animais em contexto competitivo. E essa, mais do que de argumentos científicos, depende da consciência individual.

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