Perguntei a um cavalo se queria estar ali – ele não respondeu

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Estar no Palácio de Versalhes, em Paris, no dia de dressage, é ver cavalos tentarem demonstrar harmonia, fluidez e correcção técnica irrepreensíveis, ao ritmo de uma musiquinha de baixo volume, para deleite de quem está na bancada. É um animal a dançar ao serviço do entretenimento humano.

Ao contrário do fisioterapeuta das disciplinas equestres que falou com o PÚBLICO em Paris, um mero jornalista, ignorante em cavalarias – e mais ainda em saúde animal –, não tem muito para opinar a nível de medicina e bem-estar dos bichos. Mas tem, como qualquer cidadão, a nível de moralidade.

Vamos a algumas ideias sobre dressage:
- O cavalo tem um humano em cima.
- O cavalo tem na boca e no corpo objectos para que o cavaleiro possa guiar-lhe os movimentos, com prisão e/ou dor.
- O cavalo é obrigado a movimentos finos e controlados, pouco condizentes com um animal daquele porte.
- O cavalo é submetido a horas e horas de treino para, em competição, assegurar o deleite humano.

De Paris segue, portanto, uma sugestão de nova modalidade olímpica com cavalos. E seria assim: cavaleiro e cavalo exibem talento, sem qualquer objecto de controlo ou prisão ao animal – o de quatro patas. O cavalo vai ali se quiser – se não quiser, estrebucha. O cavalo faz o trote se quiser – se não quiser, faz um galope, que também é giro. O cavalo dança se quiser – se não quiser, faz outra coisa qualquer. E, se quiser, cospe o cavaleiro de cima do seu lombo.

No fim, ganharia a dupla de cavalo e humano que conseguisse fazer as habilidades certas sem objectos de prisão ou submissão e sem que o cavaleiro tivesse saído disparado com o coice do bicho. Isso, sim, seria giro de se ver – e mesmo isso não deixaria de ser a utilização de um animal para prazer humano.

O problema desta nova modalidade é que que é tão gira como utópica. Para fazerem aquele tipo de habilidades, os cavalos precisam de treino intensivo e de controlos fortes de alguém não tão forte como eles – e que precisa, para equilibrar a força, de objectos duros.

Se ensinarem um humano como eu a dançar já seria uma odisseia – e talvez eu precisasse desses incentivos que magoam –, imaginem ensinar dança a um cavalo.

Mas há uma pessoa que tem boas dicas: chama-se Charlotte Dujardin, tem seis medalhas olímpicas e foi excluída dos Jogos Olímpicos por ter sido apanhada, num treino, a chicotear um cavalo de uma aluna sua que não fazia o que era suposto. Pediu desculpa e diz que lamenta os seus actos.

E faz sentido que os cavalos dela tenham sido campeões na dressage, a dança dos cavalos. Se me chicotearem durante meses, várias vezes por dia, eu torno-me o Fred Astaire português. E podem levar-me ao breaking, que também já é coisa olímpica.

Em 2021, Bruno Rente, presidente da Federação Equestre Portuguesa, disse ao PÚBLICO que “às vezes, a decisão de o cavalo parar de competir parte de nós, quando ele atinge um nível muito alto. Damos-lhe a recompensa de sair da competição. Deram imensas alegrias a quem os montou e sim, isto é uma recompensa pelo bom trabalho”. Mas se o cavalo era feliz a competir, por que motivo sair é uma recompensa?

Em suma, porquê usar animais para deleite humano? E a conversa poderia ficar por aqui. Mas admitamos que se use.

Se é suposto o cavalo querer estar ali e fazer tudo com delicadeza e naturalidade, para quê os instrumentos de prisão de movimentos, que permitem ao cavaleiro domá-lo caso ele não cumpra o plano? Com ou sem dor, é de moralidade que se fala.

Talvez ele não queira assim tanto estar ali. Ou talvez até queira e o ignorante seja quem aqui escreve. É possível. Em Paris, fui a Versalhes e perguntei isso a um cavalo. Ele não respondeu.

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