Chuva, escombros, sanguessugas: sobreviventes de deslizamento de terras na Índia recordam “noite de horrores”
Os deslizamentos de terra que na terça-feira atingiram o distrito de Wayanad mataram mais de 170 pessoas e deixaram centenas de desalojados. A maior parte das vítimas morreu durante o sono.
Sempre que chove muito forte nas colinas de Wayanad, no sul da Índia, muitas pessoas ficam acordadas, lembrando-se de um deslizamento de terra em 2019 que matou cerca de 20 pessoas. Também na segunda-feira passada, a dona de casa Fathima confirma que ela e sua família extensa na vila de Mundakkai ficaram acordadas enquanto a chuva incessante caía durante o dia e a noite.
"Quando o primeiro deslizamento de terras ocorreu, por volta da uma da manhã, estávamos todos acordados", disse Fathima, 52 anos. "Toda a gente na sala estava a chorar. Parecia que a morte estava iminente." Seguiu-se pelo menos um outro deslizamento de terras.
A família de cerca de 20 pessoas mudou-se na terça-feira cedo com outros habitantes que sobreviveram aos dois deslizamentos de terra, disse Fathima. Era de noite e as casas estavam espalhadas, pelo que não se aperceberam de que dezenas de pessoas tinham morrido na zona.
Cerca de 100 aldeões, incluindo crianças e mulheres grávidas, caminharam durante quilómetros através da devastação de escombros, solo húmido, grandes rochas e terreno irregular, conta Fathima.
As equipas de salvamento não tardaram a chegar e transferiram-nos para um campo de socorro na cidade de Meppadi, mas Fathima continua angustiada. "Não sabemos o que resta das nossas casas quando regressarmos", disse à Reuters a partir do acampamento.
Os deslizamentos de terra que na terça-feira atingiram o distrito de Wayanad no estado de Kerala, um destino turístico popular, mataram mais de 170 pessoas e deixaram centenas de desalojados, com mais de 8000 pessoas abrigadas na segurança dos campos.
A maior parte das vítimas morreu durante o sono, quando torrentes de lama, pedras, água e árvores varreram as propriedades de chá e cardamomo e as aldeias de plantação, enterrando as pessoas ou levando-as para longe.
Não podem pagar outra casa
As autoridades e alguns peritos atribuíram a catástrofe a chuvas inesperadas e muito fortes, provocadas pelo aquecimento do Mar Arábico. O salvamento tem sido retardado pela chuva incessante, com o exército a correr para construir uma ponte temporária através de um rio inchado para chegar a Mundakkai, a área mais afectada nas colinas.
"Foi realmente uma noite de horrores", disse K. H. Abbas, 46 anos, um trabalhador que fugiu da sua casa após o primeiro deslizamento de terras com sete membros da família, incluindo um bebé de quatro meses. "Passámos a noite junto a uma pequena floresta com chuva, sanguessugas e tudo o mais."
Abbas disse que descobriu que a sua casa não foi danificada, mas tem medo de regressar. "Não me sinto suficientemente confiante para voltar, seria um pesadelo ficar lá outra vez", disse. "Por outro lado, também não temos dinheiro para comprar outra casa."
Aliyar Kutty, 59 anos, que gere um pequeno negócio, não teve a mesma sorte, embora tenha escapado com vida, enquanto dois vizinhos ficaram para trás e morreram. "Tudo foi varrido pelas chuvas", recorda Kutty. "Temos de reconstruir tudo do zero. Só levámos alguns documentos importantes da minha filha e alguma roupa de reserva. Tudo o resto perdeu-se."
Muzammil Haque, um trabalhador migrante do longínquo estado de Assam, no nordeste do país, que trabalha numa propriedade de chá local, enfrenta outro tipo de problemas porque não conhece a língua local, o malaiala. "Não sabemos para onde ir ou o que fazer, nem entendemos a língua local", acrescenta. "A comida e o dinheiro são um problema porque somos trabalhadores que recebem um salário diário."
"Tem sido muito angustiante... Nunca tinha visto nada assim antes", desabafa. "As grandes rochas estavam a partir-se, as árvores foram arrancadas e as casas, as lojas, tudo ficou destruído. Havia muitos cadáveres por todo o lado."