Onda de calor letal em Julho na Europa e Norte de África? Culpa nossa, diz estudo da WWA
A World Weather Attribution emitiu um relatório que conclui que a onda de calor letal no Mediterrâneo em Julho teria sido impossível sem o aquecimento provocado pelos combustíveis fósseis.
O calor extremo que afecta grande parte da Europa e o Norte de África teria sido impossível sem as alterações climáticas provocadas pelo homem, segundo conclui uma análise divulgada esta quarta-feira pela organização World Weather Attribution, que se apoiou apenas em dados meteorológicos para esta leitura "rápida" dos dados deste mês de Julho. O estudo sublinha que, "outrora impossíveis, estas ondas de calor são agora relativamente comuns devido ao aquecimento provocado pelo homem, e espera-se que ocorram cerca de uma vez por década". As temperaturas estiveram 3,3 graus Celsius acima das médias devido às alterações climáticas causadas pelo homem, afirmam.
Muitas das notícias publicadas recentemente já falavam num Verão quente à nossa espera. Vivemos os dias mais quentes na Terra desde que há registos. O relatório publicado pela WWA esta quinta-feira sobre o calor extremo na região do Mediterrâneo não está apoiado em resultados de modelos climáticos ou outros cálculos mais aprofundados. Os autores justificam: "Uma vez que uma análise de atribuição pormenorizada que incluísse modelos climáticos produziria resultados muito semelhantes, esta análise super-rápida centra-se nos dados meteorológicos."
Mas o que mais parece importar aos cientistas da WWA é a principal conclusão da leitura destes resultados: "O calor extremo de Julho teria sido impossível se os seres humanos não tivessem aquecido o planeta através da queima de combustíveis fósseis, como o petróleo, o carvão e o gás, e de outras actividades, como a desflorestação."
O comunicado de imprensa fala numa onda de calor letal, lembrando, por exemplo, que as "temperaturas abrasadoras" mataram, pelo menos, 21 pessoas em Marrocos.
O impacto nos Jogos Olímpicos
Sem perder o pé da actualidade, o comunicado de imprensa fala também do impacto do calor excessivo sentido durante os Jogos Olímpicos que decorrem em Paris. Recorrendo a especialistas, o relatório defende que "o calor pôs em risco atletas e adeptos nos Jogos Olímpicos de Paris".
“Ontem, as alterações climáticas arruinaram os Jogos Olímpicos. O mundo viu os atletas a suarem num calor de 35 graus Celsius. Se a atmosfera não estivesse sobrecarregada com emissões provenientes da queima de combustíveis fósseis, Paris estaria cerca de três graus mais fresca e muito mais segura para o desporto", refere o documento da WWA, citando Friederike Otto, professora catedrática de Ciências Climáticas no Grantham Institute — Climate Change and the Environment, Imperial College London.
Mas a cientista lembra que há lugares muito mais perigosos: “Muitas pessoas no Mediterrâneo não se podem dar ao luxo de ter sacos de gelo, ar condicionado ou pausas para arrefecer no trabalho. Para estas pessoas, o calor extremo pode significar a morte.”
Planos para evitar mortes
"Os países mediterrânicos suportaram um calor perigoso que ultrapassou largamente os 40 graus Celsius durante o mês de Julho", conclui a WWA, que explica que, para quantificar o efeito do aquecimento provocado pelo homem no calor extremo de Julho, "os cientistas analisaram dados climáticos para comparar a forma como este tipo de eventos mudou entre o clima actual, com aproximadamente 1,3ºC de aquecimento global, e o clima pré-industrial, mais frio". "A análise incidiu sobre a temperatura média de Julho e centrou-se numa região que inclui Marrocos, Portugal, Espanha, França, Itália e Grécia."
Para fazer face à inevitável subida dos termómetros, os especialistas reclamam planos de acção contra o calor "persistente e perigoso". "Embora tenham sido comunicadas 21 mortes num hospital em Marrocos, é provável que tenham ocorrido dezenas ou mesmo centenas de outras mortes por calor em todo o Mediterrâneo que ainda não foram comunicadas. A OMM estima que as mortes por calor na Europa aumentaram cerca de 30% nas últimas duas décadas e que mais de 60 mil pessoas na Europa foram mortas por calor extremo durante o verão de 2022, segundo um estudo separado", nota o comunicado de imprensa.
Com planos de acção contra o calor que definem as medidas que podem ser tomadas antes e durante as temperaturas elevadas perigosas seria possível evitar mortes, acreditam os autores do estudo. Que tipo de medidas? O desenvolvimento de sistemas de alerta precoce e campanhas de sensibilização, a reprogramação dos horários de trabalho dos trabalhadores vulneráveis, a alteração do horário das escolas e a criação de estações temporárias onde o público pode aceder a água potável e primeiros socorros, enumeram.
O relatório afirma que algumas destas medidas (nomeadamente, a protecção das pessoas que trabalham ao ar livre nas horas mais quentes) terão sido aplicadas em França, Grécia, Itália, Espanha e até Portugal, mas não em Marrocos. O estudo da WWA foi realizado por cinco investigadores no âmbito do grupo World Weather Attribution, que inclui cientistas de universidades e agências meteorológicas da Suécia, dos Países Baixos, do Reino Unido e dos Estados Unidos.
Por fim, a WWA deixa alguns comentários sobre este trabalho feitos por cientistas que se dedicam ao clima:
“O calor perigoso que se faz sentir no Mediterrâneo é mais um aviso de que o nosso clima está a aquecer para níveis perigosos. A Europa está a aquecer duas vezes mais depressa do que os outros continentes e ainda mais depressa do que os modelos climáticos prevêem. Análises como esta ajudam as pessoas a compreender que as alterações climáticas não são uma ameaça distante, mas sim uma ameaça imediata que já está a tornar a vida na Terra muito mais perigosa.”
Mariam Zachariah, investigadora do Grantham Institute — Climate Change and the Environment, Imperial College London
“As ondas de calor são o tipo mais mortífero de condições meteorológicas extremas. As pessoas que passam tempo ao ar livre estão mais expostas ao calor perigoso, incluindo os atletas e os espectadores dos Jogos Olímpicos desta semana. As cidades do Sul da Europa estão a aplicar planos de acção contra o calor para reduzir os riscos. Estes planos têm de ser implementados em todas as cidades para proteger os mais vulneráveis.”
Roop Singh, Directora de Urbanismo e Atribuição do Red Cross Red Crescent Climate Centre
“Enquanto os seres humanos queimarem petróleo, gás e carvão, as ondas de calor tornar-se-ão mais quentes e mais pessoas morrerão prematuramente. A boa notícia é que não precisamos de uma solução mágica para impedir que as coisas piorem. Sabemos exactamente o que temos de fazer e dispomos da tecnologia e dos conhecimentos necessários para o fazer — substituir os combustíveis fósseis por energias renováveis, acabar com a desflorestação. Quanto mais depressa o fizermos, melhor.”
Friederike Otto, professora catedrática de Ciências Climáticas no Grantham Institute — Climate Change and the Environment, Imperial College London