Exaustão, reduzido sentimento de pertença e maus resultados. Eis os factores de risco para o abandono no superior
Estudantes do sexo masculino, deslocados, com filhos a cargo, na área de Línguas e Humanidades são os mais propensos a abandonar a universidade. Estudo sugere reforço das mentorias nas instituições.
Os estudantes que apresentam níveis mais elevados de exaustão académica, os que denotam maiores dificuldades de adaptação ao campus e os que estão deslocados são os que se encontram em maior risco de abandonar o ensino superior. A conclusão é do estudo Factores que influenciam o abandono no ensino superior, do Observatório Social da Fundação “la Caixa”, liderado pela investigadora e docente da Universidade Lusófona Paula Paulino. Ao PÚBLICO, a professora defende a importância de trabalhar e reforçar as redes de acolhimento nas instituições de ensino superior para melhorar a integração social dos seus estudantes, com especial ênfase para os que estão deslocados.
“Sabemos, por exemplo, que os programas de mentoria podem ser importantes na adaptação ao ensino superior, até para facilitar a adaptação destes indivíduos ao meio académico e social”, começa por explicar Paula Paulino em entrevista telefónica. Importa notar que a investigação se debruçou sobre a intenção dos alunos de abandonar o ensino superior, procurando identificar as determinantes mais decisivas nesse contexto, e não sobre as taxas de abandono. “[Estudámos a intenção de abandono porque] sabemos que é um fenómeno multidimensional e que tem um potencial de intervenção muito grande”, justifica a autora.
Quanto às taxas efectivas de abandono, é já sabido que aumentaram nas licenciaturas e mestrados integrados em todas as áreas científicas durante a pandemia, ao mesmo tempo que caíram as taxas de conclusão dos cursos dentro dos prazos esperados.
Agora, no contexto pós-pandémico, percebe-se por este estudo que os estudantes que demonstraram intenções mais elevadas de abandonar o ensino superior são sobretudo do sexo masculino, que estão deslocados, que têm responsabilidades de prestação de cuidados a outrem (sobretudo, filhos), na área de Línguas e Humanidades. Mas não só: pesam também, se não mais, a exaustão académica, a dificuldade de adaptação, o reduzido sentimento de pertença ao campus e o rendimento académico baixo.
“A nossa amostra foi muito alargada, [responderam ao inquérito alunos do] continente e das ilhas, e, de facto, os estudantes que estavam em Portugal continental” eram os mais propensos a desistir. Responderam ao inquérito (online e telefónico, levado a cabo em 2022) 1404 alunos, uma amostra por conveniência. Numa comparação entre os ciclos de estudos, é na licenciatura que as intenções de abandonar o ensino superior são mais elevadas.
Paula Paulino nota que as determinantes para querer desistir do superior não se limitam àquilo que apenas diz respeito ao próprio, mas “também a questões associadas às próprias instituições”. “É preciso promover essa adaptação académica”, defende. Perante a realidade encontrada, os autores sugerem o reforço dos programas de mentorias, “que poderão ter um impacto positivo em todas as determinantes”. Sobre este aspecto, Paula Paulino destaca a importância de estes programas se prolongarem a todo o ciclo de estudos.
“É relevante notar que várias instituições académicas — especialmente privadas — ainda não são membros da rede nacional de mentorias. Os programas de mentorias deveriam investir na componente académica, mas também na social, para que os estudantes se sintam aceites e sintam uma melhor conexão social, que é especialmente importante para os estudantes deslocados, que precisam de construir toda uma nova rede relacional”, lê-se ainda no estudo.
Olhando para a frente, Paula Paulino diz pretender aprofundar este estudo com um “olhar mais compreensivo sobre as experiências dos estudantes com intenções de abandono escolar e também fazer um estudo mais próximo das instituições” para perceber que programas estão em marcha para acolher e acompanhar os alunos.
Quanto aos inquiridos, a amostra é constituída sobretudo por estudantes com 25 anos ou menos, solteiros, sobretudo mulheres e residentes em Lisboa ou na região Norte. Cerca de metade dos alunos inquiridos estavam deslocados e a viver em casas partilhadas, mais de um terço (37,9%) eram trabalhadores-estudantes e 20% recebiam apoio do Estado para estudar. A média das despesas mensais fixou-se nos 538 euros.