Já há uma empresa de coordenação de intimidade a operar em Portugal
A IntimAct Portugal, representação nacional da empresa espanhola fundada em 2021, chegou agora ao mercado nacional.
Há dez anos, as funções de coordenador de intimidade numa produção audiovisual não existiam, pelo menos com esse nome. A partir de 2017, num mundo pós-#MeToo, passou a ser um trabalho como qualquer outro. Foi já nesse novo mundo, em 2021, que as actrizes espanholas Lucía Delgado e Teresa Cerezo fundaram a IntimAct, uma empresa especializada na prestação desse tipo de serviços. Desde então, já acompanharam a produção de mais de 40 títulos, a partir de Madrid, Bilbau e Barcelona. A estas cidades junta-se agora Lisboa, numa operação conduzida por Teresa Olea Molina, oriunda de Granada mas a viver no nosso país desde 2018. Após frequentar uma formação promovida pela IntimAct para os países ibero-americanos no final do ano passado, a coordenadora lançou agora a IntimAct Portugal.
Em Maio, numa peça do PÚBLICO sobre coordenação de intimidade, vários actores portugueses explicavam que este serviço não existia ainda em Portugal, comparando o atraso do meio audiovisual nacional com o novo paradigma das co-produções internacionais em que tinham participado. Um dos maiores entraves apontados era a falta de tempo e dinheiro. Já na altura era mencionado este curso em que Teresa Olea Molina participou, e para o qual abriram candidaturas em Setembro de 2023.
"É normal" ainda não haver por cá algo do género, diz a responsável pela chegada da IntimAct a Portugal. "São indústrias mais pequenas", comenta ao PÚBLICO por telefone. Mesmo nos Estados Unidos, só em 2018 a HBO introduziu estas boas práticas na série The Deuce. "Já estou a falar com algumas produções e há bastante interesse. Agora é ver a resposta da indústria aqui", continua. "É uma figura que, mais cedo ou mais tarde, vai entrar em todas as indústrias audiovisuais."
Teresa Olea Molina vem do cinema, da "realização" e das letras, tendo trabalhado também nas áreas "da tradução e da interpretação". Conta que "já estava predisposta a trabalhar numa área sensível, que por um lado exige habilidade e capacidade de perceber a natureza humana de uma perspectiva muito ampla e delicada, e, por outro, tem uma parte criativa, ligada ao cinema".
Mas em que consiste ao certo a coordenação de intimidade? Na formação, partilha a responsável por esta empresa, trata-se a "coordenação de intimidade de uma perspectiva muito filosófica e crítica", abordando o enquadramento legal e, claro, as questões do consentimento. "É um dos factores mais importantes que trabalhamos sempre, um consentimento informado e real, que permita evitar os abusos dentro da indústria cinematográfica, para que não haja qualquer tipo de mal-entendido e constrangimento", diz, expondo a componente "sensível" do trabalho. "Tem de haver limites" quando se filma a intimidade, e também nas "práticas da indústria". Numa altura em que se amontoam, por exemplo, os relatos de reiteradas más práticas no meio cinematográfico francês, Teresa Olea Molina sublinha que "existe uma recorrência ampla de abusos e traumas".
No que diz respeito ao trabalho criativo, compete aos coordenadores de intimidade ajudarem "os realizadores a trazerem novas narrativas e formas de mostrar a sexualidade no ecrã e nas telas de cinema", contrariando "a tradição audiovisual que está muito vinculada ao male gaze, à visão masculina". A responsável nota que não se trata de "uma questão de género", não dependendo de haver ou não mulheres realizadoras, porque é algo que é "cultural" e que "vamos absorvendo, às vezes muito inconscientemente". Esse olhar condiciona não só o modo como se compõe "uma cena sexual"; configura também "um tipo de nudez". O objectivo é "retratar a nudez de uma forma mais ampla, que possa trazer outras formas de entender os corpos".
Depois, conclui, há a gravação propriamente dita dessas cenas de intimidade, "muitas vezes em contacto com outros corpos". A coordenação de intimidade trabalha, nesse âmbito, a questão da protecção, "para que não exista nunca contacto genital, e para proteger sempre a integridade física, emocional e psicológica dos intérpretes", com recurso também a "ensaios" que evitam "surpresas no estúdio". Trata-se, pois, de tornar as cenas íntimas "confortáveis para toda a gente, actores, realizadores, equipa de filmagem", sem os mal-entendidos e constrangimentos que marcaram o passado da indústria e vêm desaguando na presente onda de denúncias.