Justiça europeia diz que não se podem abater lobos enquanto forem espécie em risco
Governo regional de Castela e Leão, em Espanha, permitiu caça ao lobo em 2019. Essa norma não cumpre a directiva Habitats, considerou Tribunal de Justiça da União Europeia.
Não se pode permitir a caça ao lobo numa região de um Estado-membro da União Europeia quando o estado de conservação da espécie seja desfavorável no conjunto do território desse país, decidiu o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE). Não pode, portanto, ser aplicada a norma aprovada pela Comunidade Autónoma de Castela e Leão (Espanha) em 2019, autorizando a caça ao lobo-ibérico, porque viola a directiva europeia Habitats.
A decisão divulgada nesta segunda-feira diz claramente que não pode haver excepções. “O lobo não pode ser designado como espécie que pode ser objecto de caça a nível regional quando o seu estado de conservação a nível nacional for desfavorável”, diz o comunicado de imprensa sobre o acórdão do processo C-436/22.
Em 2019, o governo regional de Castela e Leão aprovou um plano que permitia a caça de 339 lobos-ibéricos a norte do rio Douro, a zona onde a espécie recuperou melhor, entre 2019 e 2022. “A Associação para a Conservação e Estudo do Lobo-Ibérico (ASCEL) interpôs recurso desse plano no Tribunal Superior de Justiça de Castela e Leão, que ficou com dúvidas sobre a compatibilidade da lei regional com a directiva Habitats e questionou o TJUE”, recorda o comunicado.
Estado "desfavorável" a nível nacional
A directiva Habitats, de 1992, tem como objectivo preservar, proteger e melhorar o ambiente, contribuindo para assegurar a biodiversidade através da conservação dos habitats naturais e da fauna e flora selvagens.
Os juízes europeus consideram que as autoridades regionais de Castela e Leão, quando tomaram a decisão de autorizar a caça de 339 lobos na sua região, não levaram em conta o relatório concernente à situação desta espécie em todo o território de Espanha no período 2013-2018, enviado pelo Governo espanhol à Comissão Europeia em 2019. Nesse documento, o estado de conservação do lobo-ibérico em Espanha, incluindo as regiões de Castelo e Leão, era considerado “desfavorável-inadequado”.
“O Tribunal de Justiça responde que a lei regional é contrária à directiva Habitats”, diz o comunicado.
A prioridade é assegurar o cumprimento dos objectivos da directiva Habitats, decidiram os juízes europeus: “Assim sucede mesmo nos casos em que o lobo não beneficia de uma protecção rigorosa na região em causa ao abrigo da directiva Habitats, uma vez que as medidas de gestão das espécies, como a caça, devem visar manter ou restabelecer essas espécies num estado de conservação favorável”, declaram.
Mesmo que uma espécie animal tenha de ser alvo de medidas de gestão, isso não significa automaticamente que o seu estado de conservação é favorável. “Essas medidas têm de ter por objectivo manter ou restabelecer a espécie em causa num estado de conservação favorável”, sublinham os juízes.
“Uma decisão que autoriza a caça de uma espécie tem de ser justificada e tem de se basear nos dados de vigilância do seu estado de conservação”, e deve-se ter especial atenção quando estamos perante uma espécie considerada de interesse comunitário, diz o acórdão.
“Ora, quando elaborou o plano controvertido, a Comunidade Autónoma de Castela e Leão não teve em conta o relatório de 2019, segundo o qual o lobo se encontrava num estado de conservação desfavorável em Espanha”, salientaram os juízes europeus.
Para avaliar o estado de conservação de uma espécie e a eventual adopção de medidas de gestão, como autorizar a caça de forma limitada, é preciso “levar em consideração o relatório elaborado pelos Estados-membros de seis em seis anos ao abrigo da directiva Habitats, bem como os dados científicos mais recentes, obtidos graças à vigilância efectuada pelos Estados-membros”, lê-se ainda.
E não podem ser considerados apenas os dados a nível local, “mas também a nível da região biogeográfica, ou inclusivamente a nível transfronteiriço”, frisa o acórdão.
Problemas europeus
Este não será, porém, o fim dos problemas do lobo-ibérico em Espanha. Em Abril, por proposta do Partido Popular (direita), apoiada pelo Vox (extrema-direita), Partido Nacionalista Basco (PNV) e Junts (partidos conservadores e nacionalistas do País Basco e da Catalunha), o Congresso espanhol discutiu a ideia de rebaixar a protecção do lobo.
A nível europeu, a Comissão Europeia manifestou igualmente o desejo de rebaixar a protecção desta espécie para permitir a sua caça. O assunto transformou-se numa controvérsia política, mais do que uma questão científica.
O TJUE, no entanto, tem mantido que o lobo é uma espécie protegida na União Europeia e que a sua caça não pode ser autorizada enquanto o seu estado de conservação for considerado desfavorável. Foi o que fez, ainda este mês, relativamente a um caso na região do Tirol, na Áustria. Neste caso, o governo regional tinha permitido o abate de um lobo suspeito de ter matado 20 ovelhas. O argumento do TJUE foi semelhante ao do caso de Castela e Leão, recorda o jornal El País.