A recuperação ligeira não chega aos bolsos dos venezuelanos
A economia venezuelana perdeu mais de 70% do seu valor na última década. Apesar da queda da inflação nos últimos meses, a maioria da população continua sem ganhar o suficiente para viver.
Uma das muitas dúvidas que pairam sobre as eleições venezuelanas deste domingo é se a tímida recuperação económica dos últimos meses será suficiente para travar o descontentamento de grande parte da população que vive há praticamente uma década em clima de crise permanente.
Nos últimos quatro anos, a Venezuela passou por um período de hiperinflação que atingiu seis dígitos, alcançando um recorde de 130.000%, segundo a Reuters, tirando todo o valor a salários, pensões e poupanças. Ao longo dos últimos meses, a inflação foi sendo controlada, tendo no ano passado ficado ainda assim em 50%, depois de o Governo de Nicolás Maduro ter adoptado várias medidas de controlo da taxa de câmbio e limites à despesa pública.
No entanto, anos de recessão e crescimento económico anémico têm os salários em níveis historicamente baixos, impedindo que a generalidade da população sinta no dia-a-dia o impacto da queda da inflação.
“Há uns meses, estava a gastar 75 dólares por semana, em média, em comida; agora é o dobro”, queixa-se Carmen Morales, uma administradora de 52 anos na cidade de Valência, que recebe um salário de 250 dólares mensais e tem ainda de apoiar os pais, em entrevista à Reuters.
O salário médio na Venezuela é de 213 dólares mensais, enquanto o preço médio do cabaz de bens básicos está em torno dos 500 dólares, segundo os dados do Observatório Venezuelano de Finanças. “A inflação pode descer até zero, mas se você recebe 200 dólares e a alimentação básica para um mês custa 500 dólares, temos uma disparidade”, diz à Reuters o economista da consultora Ecoanalitica Asdrubal Oliveros. “As pessoas não vêem a [queda da] inflação como algo positivo”, conclui.
O panorama económico da Venezuela é reflexo de uma degradação acelerada sem muitos paralelos noutros países em tempos de paz. Entre 2014 e 2020, estima-se que mais de 70% do PIB nacional tenha sido destruído, o que se traduz numa crise social profunda, com o êxodo de 7,7 milhões de venezuelanos do país ao longo da última década.
Pelo caminho, o tecido industrial foi dizimado e o sector petrolífero – o pilar sobre o qual assentou a economia venezuelana no último século – foi arruinado. A produção automóvel é um exemplo paradigmático. Se em 2007 foram fabricados 172 mil veículos, no ano passado apenas foram produzidos 61, segundo a Folha de S.P aulo.
As pesadas sanções económicas impostas pelos EUA à Venezuela para pressionar politicamente o regime de Maduro agravaram problemas estruturais que já se vinham a verificar ainda durante os anos de crescimento com Hugo Chávez. O saneamento de parte considerável dos funcionários da PDVSA, a petrolífera estatal, no início dos anos 2000, a lenta modernização das infra-estruturas associadas à extracção e produção de petróleo, e a venda a preços subsidiados de petróleo a nações amigas, como Cuba, são apontados como factores que fragilizaram este sector.
Mas é a partir da última década, já com Maduro no poder, que a indústria petrolífera venezuelana sofre os maiores abalos. Entre 2015 e 2021, a produção passou de 2,4 milhões de barris por dia para apenas 558 mil, segundo dados da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP).
Com a chegada de Donald Trump à Casa Branca, a estratégia de máxima pressão dos EUA agravou ainda mais a situação económica venezuelana, com a imposição de fortes limitações à exportação de petróleo e com a exclusão do acesso ao sistema financeiro norte-americano.
A eclosão da invasão russa da Ucrânia, em 2022, e o consequente reforço das exportações petrolíferas russas, levou Washington a levantar algumas restrições à Venezuela, autorizando a Chevron a retomar algumas operações no sector petrolífero do país. Porém, em Abril, a Administração de Joe Biden repôs algumas das sanções depois da proibição da candidatura de María Corina Machado às eleições presidenciais.
Ao longo da campanha, Maduro tem prometido um regresso aos tempos de prosperidade económica, mas é pouco claro como poderá reconstruir uma economia tão devastada. Aconteça o que acontecer, a tarefa será colossal, como explica à Deutsche Welle o analista Ronal Rodríguez: “Para que a Venezuela pudesse sair da situação em que se encontra, seria necessário um crescimento de 15% sustentado durante vários anos.”