Priscilla Tommy, o orgulho de Vanuatu

Não tem muitas mesas para praticar, mas a mesa-tenista que veio do Pacífico Sul não desiste e regressou aos Jogos Olímpicos, 16 anos depois de Pequim.

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Priscilla Tommy, mesa-tenista de Vanuatu Kim Hong-Ji/Reuters
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Não há muita gente à espera de Priscilla Tommy na zona mista. Na verdade, não há quase nenhum jornalista por ali depois de mais uma jornada do ténis de mesa olímpico. Ouve alguém chamar o seu nome, ela pára e responde com toda a delicadeza, o que não seria normal para alguém que tinha acabado de perder um jogo. Mas Priscilla estava feliz depois da sua segunda aventura olímpica que tinha durado pouco mais de meia-hora, uma derrota por 4-0 frente a uma norte-americana chamada Amy Wang. Sabia o que tinha feito, mas não queria a ser ela a dizê-lo.

“Teve bons momentos durante o jogo”, pergunta-lhe o jornalista do PÚBLICO. “Tive, não tive? Foi um orgulho imenso”, responde Priscilla, uma mulher de 35 anos que veio de Vanuatu, um arquipélago no Pacífico com 83 ilhas, para estar pela segunda vez nos Jogos Olímpicos. Teve o apoio constante dos seus compatriotas que estavam na bancada e, no final, teve a maior ovação da noite, maior do que para todos os vencedores.

Já não é a primeira vez que Priscilla está nos Jogos Olímpicos. Em 2008, tinha 19 anos quando esteve em Pequim, a terra do ténis de mesa, primeiro para ser a porta-estandarte (também o foi em 2024) e, depois, para defrontar a eslovaca Eva Odorova, uma derrota também por 4-0, em que o melhor que Priscilla, na altura 866.º do ranking mundial, conseguiu foi fazer sete pontos no segundo set. “Jogar com eles foi muito excitante. Não joguei para ganhar, mas para dar o meu melhor e representar Vanuatu”, recorda.

Dezasseis anos depois, Priscilla Tommy é uma mulher diferente. Tem 35 anos, é mãe de duas crianças (uma rapariga com 11 anos e um rapaz com três) e consolidou o seu estatuto como uma das melhores jogadoras da Oceânia – e o seu ranking melhorou imenso, 116.ª melhor do mundo.

“Em 2008, estava nervosa. Aqui, estive calma”, disse a jogadora, depois de uma derrota com alguns parciais bastante equilibrados (11-9 e 11-8 foram os melhores dela) e de ter estado várias vezes em vantagem.

“Uma medalha de ouro”

É difícil ser desportista em Vanuatu, explica ao PÚBLICO Cyrille Mainguy, secretário-geral do Comité Olímpico da nação insular com cerca de 320 mil habitantes. Apenas seis atletas estão em Paris, mas a presença de cada um deles vale por uma medalha de ouro.

“Para nós, estar aqui é uma medalha de ouro. Veja a Priscilla, defrontou a 14.ª do mundo, dos EUA, esteve à frente em alguns momentos. Nós só temos 300 mil pessoas, quantos milhões é que tem a América. É uma vitória para nós e ela foi um motivo de orgulho.”

O dirigente olímpico vai mais longe e atira-se à falta de meios para promover o desporto no seu país. E o retrato que faz não será muito diferente de muitos países como Vanuatu. “Nós temos ajuda da solidariedade olímpica e tudo isso, mas não temos dinheiro nenhum do governo. É triste. Mas quando temos alguma vitória, eles aparecem para partilhar os elogios”, foi tudo o que disse Mainguy, antes de ser interrompido por um voluntário olímpico a dizer que a entrevista não podia acontecer ali.

A segunda presença olímpica de Priscilla Tommy, com 16 anos de diferença entre as duas, é um testemunho da sua enorme resiliência. “Não há muita gente a jogar ténis de mesa onde eu vivo e não consigo treinar muito. Tenho de ir treinar na capital”, lamenta Priscilla, que começou a praticar o desporto quando tinha 11 anos, por influência da irmã, que também joga – e que também estava em Paris.

Ao lado de Priscilla, entretanto surgira o seu treinador, uma figura discreta, com óculos e passo ligeiro, um senhor japonês Satoshi Takashima, que chegou a Vanuatu em Setembro do ano passado, numa missão de treinar e ensinar ténis de mesa aos habitantes de Vanuatu que lhe foi atribuída por uma organização governamental do Japão que fomenta a cooperação com outros países em várias áreas, incluindo o desporto. Takashima ficará a tempo inteiro em Vanuatu até Setembro de 2025, mas, até lá, sente-se orgulhoso do que viu de Priscilla em Paris.

Também é difícil arrancar-lhe frases com mais de três ou quatro palavras. “Ela jogou bem, sim”, foi uma frase. “Sim, ela teve bons momentos”, foi outra. “Não tem muita experiência a este nível, mas foi agressiva”, foi mais outra. Ainda mais uma: “Sim, é uma boa aluna.” E foi tudo.

De volta a Priscilla Tommy, a orgulhosa atleta duas vezes olímpica garante que vai continuar, apesar de todas as dificuldades. “É complicado. Mas acho que vou continuar”, foi como terminou a conversa. Na despedida, um gesto de agradecimento: um pin de Vanuatu para as mãos do jornalista português.

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